O caminho da parentalidade pela via da adoção envolve muitos sonhos, expectativas positivas, sentimentos de plenitude e alegrias, mas também é acompanhado de muitas frustrações, sentimentos contraditórios, de desafios do presente e do futuro, que os grupos de apoio após a adoção ajudam a enfrentar, através da construção de trajetos que capacitam os pais e mães adotantes para ultrapassarem as dificuldades que possam surgir.
Hoje partilhamos testemunhos de pais sobre os contributos que receberam da participação em grupos de apoio à adoção. Gonçalo Oliveira, pai de dois filhos adotados com 4 anos e 9 anos e de uma filha adotada com 6 anos, Maria Sequeira Mendes mãe de um filho e uma filha, Rita Madeira, mãe de um filho, adotado com 18 meses, Cecília Folgado, mãe de um filho, adotado com 2 anos, e Lina Moniz, mãe de uma filha e um filho, adotados com 6 meses e 2 anos respetivamente.
Independentemente da idade de adoção e apesar de cada criança e cada adolescente ter as suas especificidades únicas, é fundamental que os pais e mãe adotivos desenvolvam uma compreensão e aceitação dos comportamentos dos seus filhos relacionados com o seu historial passado de eventos traumáticos e de perda, reconhecendo-os como consequências das adversidades vividas na infância que podem ser acompanhados através dos grupos de apoio após a adoção como nos referiu Rita: “Quando falamos de adultos que querem ser pais mas nem sempre sabem a ‘mochila’ e a ‘bagagem’ que estas crianças (sempre) trazem. Não sabem. E seguramente não estão preparados. E os grupos de apoio, para mim, foram vitais”.
Os filhos adotados são crianças e adolescentes que chegam a casa das famílias adotivas, com histórias de adversidade, de maus tratos, negligência e abandono por parte dos pais com marcas da institucionalização, com a experiência de vida em uma ou várias casas de famílias de acolhimento, enfim, com histórias de vida que deixam marcas profundas. Sobre isso Cecília contou-nos que: “A falta de exclusividade de contacto, de colo e de mimo – para já não falar da presença de maus tratos de natureza vária – deixam memórias e marcas, nem sempre identificáveis ou expressas (…) Precisamos de mais porque há especificidades associadas aos percursos das crianças adoptadas que deixam marcas indeléveis nos seus corpos, mas suas memórias, nas suas aprendizagens”. Para Lina: “as crianças que chegam a uma nova família são crianças com passado de adversidade, crianças que sofreram algum tipo de trauma, seja de abandono, de falta de afeto ou de atenção, ou vítimas de situações ainda mais graves. Histórias de vida que deixam necessariamente sequelas”.
No processo de adoção, os pais e a mães adotantes, após percorrerem o longo caminho da avaliação, têm que encarar a fase de após a adoção que, desde o início, envolve muitas dificuldades e desafios relativas à gestão das expetativas parentais sobre a adoção, como referiu Lina: “Como todos os candidatos a pais adotantes, nós, eu e o pai, percorremos todo um processo minucioso de avaliação da nossa candidatura, incluindo diversas formações, nas quais fomos confrontados com vários casos práticos: desafios quotidianos que se colocam aos pais por esta via. Com toda a motivação para a constituição da nossa família e olhando para aquelas problemáticas, sentíamo-nos com a força e a compreensão necessárias para as ultrapassar. Sentíamo-nos. Em teoria. Na realidade, não nos encontrávamos cientes da verdadeira dimensão das dificuldades que viemos realmente a encontrar”.
O apoio após a adoção informal é aquele que é proporcionado por amigos, por familiares, pela comunidade próxima e por outras pessoas que conhecem a família adotiva e podem fornecer apoio emocional, ajuda prática no dia a dia e suporte económico de uma forma mais esporádica. Cecília referiu-nos essa experiência positiva: “Mas o que nem sempre refiro é que este caminho não se faz individualmente, nem a dois. Faz-se em família. A família de sangue e a família escolhida, os amigos e toda a teia que assenta nos afectos. Acredito que, quando um Filho nos chega, parte do amor que familiares e amigos nos têm lhes é transferida. Todo esse afecto colabora na construção de um espaço seguro, de um colo, que nos ampara nos dias mais difíceis e onde nos deixamos ficar nos dias mais leves”, mas também assinalou que, muitas vezes, este apoio informal não é suficiente: “Por fundamentais que este espaço e este afecto sejam, não são suficientes. Não no caso da parentalidade adoptiva”.
Cecília referiu-se à vantagem de recorrer ao suporte dos grupos informais de apoio à adoção como uma rede paralela à família reconhecida e valorizada pelo apoio emocional que proporciona e por se constituir como um lugar seguro para os pais e mães: “E estes círculos – que ultrapassam fronteiras e línguas, que se fazem presentes a cada ‘e agora?’ – formam uma segunda rede de segurança, um novo e reforçado espaço seguro onde se pode aprender e partilhar, onde nos identificamos. Um espaço onde se pode partilhar, sem julgamento ou medos de rotulagem, os percursos de vida dos nossos Filhos. Um espaço onde nos sabemos acompanhados”. Gonçalo gosta de lhes chamar um lugar de aprendizagem e de conhecimento de reais estratégias: “não só as perspetivas e ensinamentos são de uma inigualável importância e riqueza, como nos dão reais ferramentas para lidar com situações concretas da vida das nossas crianças”.
A integração de grupos de apoio após a adoção ajuda a ultrapassar o sentimento de desconhecimento e incerteza que se tem quando se enfrentam os desafios de um modo solitário. Lina referiu-se assim à sua experiência: “Integrámos este grupo de apoio, em junho de 2022. Por essa altura, já muito havíamos percorrido como família, já muitos dos desafios e dificuldades que enfrentámos nos primeiros anos de vida dos nossos filhos em casa, se encontravam num percurso evolutivo… . Percorremo-lo um pouco por instinto, por amor e com o cuidado de se construir um equilíbrio emocional crescente. Com pouca informação fidedigna pesquisável na internet. Um dos benefícios que estes grupos têm no apoio aos pais adotantes é o facto de se focarem na partilha de uma experiência de parentalidade que é única e não se deve confundir com a experiência dos pais biológicos. Sobre isso, o Gonçalo referiu que: “A parentalidade pela via da adoção, sendo no essencial – o amor, a partilha, o afeto – em tudo igual a qualquer parentalidade, a verdade é que as nossas famílias enfrentam desafios concretos e muito diferentes das famílias pela via biológica. Isto provoca, muitas vezes, uma sensação de solidão e incompreensão, porque sentimos que é difícil que os outros entendam a plenitude dos nossos anseios”.
No projeto “Creating a Family” com vários recursos disponíveis para as famílias de adoção, durante o período da pandemia, foi desenvolvido um grupo de apoio após a adoção por iniciativa de pais adotivos, que decidiram trabalhar voluntariamente na criação de suporte a outras famílias adotivas. Maria a mentora e moderadora deste grupo explicou-nos que: “Durante a pandemia, o “Creating a Family” deu início a um grupo de apoio pós adopção no qual comecei a participar. Foi muito giro, havia famílias desde o Canadá aos EUA e à Argentina, todas com dificuldades parecidas. Ao final de dois anos a participar no grupo, convidaram-me para moderar um grupo meu e como em Portugal não existia nada parecido, e é muito necessário, aceitei o convite. Temos famílias nos Açores, na Madeira, em Coimbra, no Porto, em Chaves e em Lisboa”. No aprofundamento nacional desta experiência esteve a Rita que nos partilhou o seu agrado pelo convite que recebeu de Maria para fazer parte deste grupo: “Após umas conversas, convidou-me para integrar o grupo de apoio. Uma vez por mês pais adotivos reuniam-se e mantinham uma reunião via zoom por duas horas, com conteúdos vindos de um organismo americano – “Creating a Family”. Se eu queria participar? Nem pensei, tal era a minha sede de mais ajuda e informação para lidar com o meu filho”. Gonçalo também foi convidado a juntar-se ao grupo: “É aqui que estarmos rodeados “de quem fala a mesma língua” se mostra um suporte essencial. Quando conheci a Maria Sequeira Mendes e ela me desafiou a ir aos encontros do grupo de pós adoção da “Creating a Family”, não hesitei. Já tinha assistido, noutros contextos, ao inquestionável apoio que um grupo de ajuda mútua nos pode garantir. E é isso que tem acontecido”.
Os testemunhos destes pais e mães adotantes destacam como vantagem dos grupos de apoio após a adoção, a possibilidade de aprender sobre a parentalidade. Lina referiu-se aos ganhos de: “conhecimento resultante de investigação científica no tema. E, como todos sabemos, o conhecimento é uma base fundamental na vida de todos. O conhecimento informa, enriquece e permite tomadas de decisão conscientes e fundamentadas, no sentido do desenvolvimento máximo do nosso potencial humano e social”. Lina acrescenta que os grupos de apoio após a adoção facilitam o acesso a informações confiáveis e de qualidade: “Com o surgimento de grupos de apoio de pós adoção, como o Creating a Family, no qual nós participamos, cada vez mais pais começam a ter, agora, acesso a informação fidedigna e de qualidade acerca dos processos e desafios que experienciam crianças e famílias com histórias de adoção.” Gonçalo mencionou o benefício de receber estratégias práticas para a resolução de situações do dia a dia: “O grupo reúne-se uma ou duas vezes por mês e, de repente, chegamos a um lugar seguro, onde não há julgamentos e onde toda a gente nos entende, nos apoia e há situações tão transversais que chegamos a partilhar, cada um da sua perspetiva, as mesmas situações. Ouvir como cada pessoa lidou com determinado assunto ajuda-nos a sair da nossa “bolha”, perceber que a situação afeta mais pessoas e até perceber outras estratégias para lidar com aquilo que, tantas vezes, nos aflige (…) Além disso, a “Creating a Family” tem um extraordinário portfólio de material sobre as questões inerentes à adoção, discutida e abordado com e por especialistas na área da adoção que também são de grande ajuda”. Sobre o mesmo assunto, Cecília referiu que: “E porque esta é uma parentalidade tão específica e porque é uma parentalidade profundamente assente na escolha, é, na minha opinião, essencial, ser mais informada, mais preparada. Só assim será mais capaz e seremos mais capazes de ajudar os nossos Filhos a trilhar as perguntas, as dúvidas e as dificuldades em cada fase da vida”
Os grupos de apoio após a adoção têm um impacto positivo no bem-estar dos pais e mães adotantes e na redução dos seus sentimentos de solidão e frustração, bem como na prevenção do sucesso da adoção. Lina contou-nos que: “Os pais destas crianças enfrentam diariamente muitos desafios na descodificação dos seus comportamentos “à partida” incompreensíveis. São comportamentos não expectáveis para crianças da mesma idade e muitas vezes não aceites pelo meio social em que a família se insere. E esta é uma realidade comum a uma grande maioria dos pais de filhos que foram adotados. E uma realidade que até muito recentemente, os pais viviam em isolamento”.
Cecília referiu que as trocas de informações com outros pais que se encontram em situações semelhantes, que estão a passar por processos e desafios muito parecidos, ajuda a que as famílias se sintam compreendidas por “iguais”: Há um poema de que gosto particularmente, “No Man is an Island” de John Donne, ninguém é uma ilha, ninguém vive ou pode ser sozinho, somos todos partes de um continente, parte de um todo que se influencia, que conquista e perde em conjunto. Precisamos dos Outros para sermos e para nos encontrarmos e, no caso, para sermos melhores Pais e melhores Mães para os nossos Filhos”.
O suporte dado pelos grupos de apoio após a adoção permite que os pais e mães adotantes reconheçam os problemas ou dificuldades reais que enfrentam no processo adoção e usufruam de soluções e ferramentas experimentadas por outros pais que vivenciaram situações idênticas, as quais são facilmente aceites por terem origem em fontes seguras de informação que as validaram com a suas experiências, permitindo diminuir o sentimentos de frustração, de stress e de isolamento, como nos referiu a Maria: “O grupo permite combater o isolamento parental e dar ferramentas aos pais sobre uma parentalidade informada sobre o impacto do trauma. Em geral, as sessões de apoio falam sobre o que não se deve fazer, mas existe muito pouca informação sobre o que fazer, sobre estratégias parentais adequadas a estas situações”.
Os encontros nos grupos de apoio após a adoção constituem-se como espaços onde é permitido falar sobre os sentimentos decorrentes da adoção e contribuem para a construção de parcerias e afinidades fundamentais para a desmistificação de vários preconceitos, como por exemplo o da razão para alguns comportamentos dos filhos. A Lina partilhou que os: “Comportamento, falta de concentração, todos vêm de um lugar comum, um lugar de trauma e adversidade. Quando deixamos de entender como um ataque pessoal e entendemos como uma dificuldade que nós adultos, com conhecimento, podemos ajudar a superar, abre-se o dia com um sol radioso e, em vez de desentendimentos e ressentimentos, há espaço para a empatia, compreensão, crescimento e um amor tão intenso a crescer”.
Este pais e mães referiam-se também ao grupo após a adoção como uma oportunidade de construção de espaços de relação para além dos encontros, de momentos lúdicos entre pais, mães, filhos e filhas. A Rita testemunhou que: “Ao fim de um ano, o grupo reuniu-se. Fizemos um picnic. Crianças de todas as idades, proveniências, fenótipos, juntas, num parque, a correr, a brincar, a andar de kart. Os pais, partilham experiências e riem-se, estavam todos com algum receio que fosse uma tarde tensa ou pudesse haver dificuldades, mas tudo flui”. Um encontro de convívio “entre iguais”, como referiu a Maria: “Fizemos há uns fins-de-semana o primeiro piquenique e vieram famílias de toda a parte, foi muito giro. Havia crianças e jovens de todas as idades, uns adoptados há muito tempo e outros com adopções muito recentes. Foi muito giro, porque se gerou um sentido enorme de normalidade entre eles. Uma das crianças disse à minha filha mais velha: — Mas foram todos adoptados? Então eu sou normal?”, ou uma espécie de partilha “códigos secretos” entre filhos e filhas adotados como mencionou a Rita: “Vejo alguns dos miúdos mais velhos (adotados há mais anos) a ajudar o meu num princípio de birra, vejo-os a olhar para o meu com olhar enternecedor como quem diz: sei o que estás a passar e vou-te ajudar. E desbloqueia. A aldeia é também dos mais novos e, mais uma vez sem detrimento de outras amizades, penso que estes podem ajudar o meu filho ao longo da vida. Afinal, ainda que duro, eles partilham alguns códigos secretos que apenas eles – e nem nós os pais – dominam”.
A participação em grupos de apoio após a adoção é, por si mesma, uma estratégia de apoio altamente recomendável. Mas, por vezes, os pais, mães, filhos e filhas adotadas necessitam de um acompanhamento mais íntimo, individualizado e especializado, um apoio psicoterapêutico em contexto familiar, que permita, por exemplo, a observação da relação familiar em contexto (em casa, numa atividade fora de casa, …), focado nas preocupações vivenciadas em situações particulares do dia a dia, para que se desenvolvam as estratégias adequadas à situação daquela família.
Finalizamos este texto com a referência a dois provérbios africanos: “Se queres ir depressa, vai sozinho; se queres ir longe, leva companhia”, e como recordou a Rita: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança (…) O ditado faz ainda mais sentido quando falamos em crianças que foram adotadas”.