Segundo uma famosa banda desenhada, Júlio César, apesar de ter conquistado a Gália, não conseguiu dominar uma pequena aldeia de irredutíveis gauleses.
O mesmo se diga de uma tribo de peles-vermelhas que, na Lusitânia, resiste ao regime imposto pelo Governo, à conta da actual pandemia. Também são irredutíveis mas, ao contrário dos gauleses, são nómadas: tanto estão na margem sul do Tejo, onde fizeram, em Setembro, o seu arraial anual, como do outro lado do rio, em Loures, onde decorre agora o seu congresso. Enquanto os demais cidadãos estão proibidos de sair das suas casas a partir das 23h, bem como nas tardes do fim-de-semana, esta tribo faz o que muito bem quer e lhe apetece, porque Costa, o grande chefe índio que faz gato sapato dos católicos, não se atreve a pô-los na ordem.
A razão, que levou as autoridades sanitárias e políticas a uma tão severa limitação da liberdade de circulação dos lusitanos, é a epidemia, que grassa por todo o império e para a qual ainda não há poção mágica. Apesar dos números inquietantes de infectados, internados e falecidos, nada faz demover Jerónimo, o grande chefe desta irredutível tribo. Há quem diga que, tal como Obelix, o lendário fabricante de menires, também Jerónimo caiu no caldeirão em que Cunhal, o velho druida, cozinhava a poção que, por sistema, convertia as derrotas eleitorais em grandes vitórias.
Quando Trump e Bolsonaro desconsideram a epidemia, não faltam vozes que condenem o que dizem ser uma criminosa inconsciência, uma enorme falta de respeito pela saúde pública, um insuportável desprezo pela ciência e uma insultuosa arrogância política. Mas, quando o irredutível Jerónimo é inflexível em relação ao festival de verão da sua tribo, ou se nega a adiar o congresso tribal, ninguém lamenta a sua irresponsabilidade sanitária, nem a sua ignorância científica, nem a sua prepotência política.
A indiferença de Jerónimo e dos seus irredutíveis peles-vermelhas pela saúde pública obedece a uma razão ideológica. Com efeito, o comunismo não é um humanismo, mas uma ideologia totalitária. O alegado ‘preconceito anticomunista’, de que Jerónimo se queixa, mais não é do que a liberdade e dignidade humanas. A ditadura do proletariado, responsável por cem milhões de mortos, tanto despreza as liberdades burguesas – que outra coisa não são do que as liberdades democráticas – como desrespeita a vida humana. Para o comunismo, como para o nazismo, só o todo interessa – por isso são, com propriedade, regimes totalitários – e, portanto, os indivíduos são descartáveis.
É lógico, por isso, que uma infecção global, por letal que seja, não aflija estes peles-vermelhas. A sua desconsideração pela saúde pública é, afinal, uma atitude coerente com a sua ideologia totalitária: quem imagina Hitler, ou Stalin, preocupados com uma epidemia, se tanto um como o outro mataram milhões de inocentes?!
É verdade que Jerónimo e os seus camaradas não incorrem em desobediência civil, porque a lei lhes concede este privilégio, que foi negado às confissões religiosas e outras entidades, decerto mais representativas e necessárias à sociedade do que aquela pequena tribo irredutível, já extinta em quase todo o mundo livre. Mas, mesmo tendo esse direito, a realização do seu congresso é um péssimo exemplo e um perigoso precedente.
Pede-se, aos partidos políticos, exemplaridade cívica e moral. A realização deste congresso partidário significa, na prática, que os seus dirigentes e militantes não respeitam os portugueses que já morreram deste vírus, nem os que estão de luto, nem os que estão doentes, ou têm familiares que o estão, nem os que estão confinados, nem os que sofrem na pele as consequências económicas da crise.
Quem não pode visitar um seu familiar internado, ou num lar, como encara este congresso?! E quem se viu proibido de participar no funeral de um seu ente querido?! Quem não pode sair de casa, nem sequer para visitar os seus pais, ou filhos, pode aceitar que uns quantos privilegiados, em pleno estado de emergência, circulem livremente pelo país, para participar num congresso partidário?!
É também um péssimo precedente. Tendo-se cedido, mais uma vez, a este capricho partidário, já não se pode negar, a nenhum outro partido, a realização de um congresso, arraial ou manifestação, não obstante o estado de emergência.
Quando os órgãos de soberania cedem ante uma tribo política minoritária, que legitimidade têm para proibir as celebrações religiosas da crença maioritária no nosso país?! E com que direito proíbem actividades, como a restauração, pondo em risco postos de trabalho e ameaçando gravemente a subsistência de não poucas famílias?!
Mas também é – valha-nos isso! – um sinal de esperança para os cristãos, já tantas vezes ludibriados pela habilidosa manha dos actuais governantes. Primeiro, disse-se que não se podia celebrar a Páscoa cristã, mas depois houve a cerimónia comemorativa do 25 de Abril, na Assembleia da República. Disse-se que não podia haver 13 de Maio, em Fátima, mas houve o primeiro de Maio, na Alameda D. Afonso Henriques, com a participação de manifestantes vindos ‘ao molho’, em autocarros fretados para o efeito. Não houve santos populares, mas sim a festa do ‘Avante!’, nos princípios de Setembro. Disse-se que, este ano, não podia haver romagens aos cemitérios, no dia dos fiéis defuntos, mas autorizou-se a realização do congresso do PCP, em Loures.
Houve quem falasse em ‘repensar’ o Natal, sem família nem Missa do galo, mas, graças a Jerónimo e aos seus irredutíveis peles-vermelhas – não em vão Jesus Cristo disse que “os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz” (Lc 16, 8) – o Natal em família e a correspondente celebração eucarística estão garantidos. Com efeito, se o grande chefe índio, mais uma vez, proibir a sua realização, bastará recorrer à mítica poção mágica e converter a consoada numa sui generis manifestação da CGTP, e a Missa do galo num atípico congresso do PCP. Portanto, avante camaradas!