Se António Costa não quiser apenas refugiar-se num exílio dourado em Bruxelas, vai ter que trabalhar, e muito. Não há cargo político em Bruxelas que não exija muito trabalho. Ao contrário do que afirmaram muitos em Portugal, apoiantes e opositores de Costa, o antigo PM não precisa de ter “uma visão para a Europa” (é mesmo preferível que não tenha), nem faz parte das suas funções “reformar a União Europeia” (ainda bem para ele e para a UE).

O Presidente do Conselho Europeu tem duas competências: representar a União Europeia no plano externo; e preparar e presidir às reuniões do Conselho Europeu. De resto não faz mais nada. Não propõe nem aprova legislação, não toma decisões relevantes em relação à política e à economia da União Europeia. Não tem qualquer poder em relação à política de transição energética, nem em relação à política digital, nem em matérias de concorrência. Não tem fundos para distribuir, nem tem milhares de funcionários para desempenhar todas essas funções. Tudo isso compete, essencialmente, à Comissão, com o Parlamento Europeu e o Conselho (Estados membros) a aprovarem a legislação europeia. Mas, apesar das competências limitadas do Presidente do Conselho Europeu, não significa que Costa não tenha problemas complicados pela sua frente.

Comecemos pelo mundo, que não está nada fácil para a UE. Costa vai ter que se articular com a Presidente da Comissão Europeia. Deve fazer tudo para evitar guerras com Von der Leyen. Charles Michel não as evitou, e perdeu. Nas Cimeiras bilaterais, nas reuniões do G7 e do G20, a União Europeia discute essencialmente questões económicas, comerciais, ambiente e energia, política digital, apoio ao desenvolvimento em África, e outras semelhantes. As competências e os recursos estão na Comissão, não estão no Conselho. Por isso, Von der Leyen está numa posição de vantagem. Será fundamental para Costa manter boas relações com Von der Leyen.

Há duas guerras nas fronteiras da União Europeia. Aqui, Costa não pode cometer erros. Tem que aparecer como um aliado muito próximo de Zelensky. A sua primeira viagem fora da União Europeia deveria ser a Kiev. Não há uma segunda oportunidade para se causar uma boa primeira impressão.

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No caso do Médio Oriente, Costa tem que resistir a fazer críticas fortes a Israel. Sobretudo, não pode parecer que está mais próximo do Hamas do que de Israel. Nunca deve seguir os conselhos de Pedro Sanchez em relação ao conflito entre Israel e o Hamas. Fazer o contrário do que diz Sanchez será uma boa regra. A maioria dos países da União Europeia estão ao lado de Israel. E também deve ignorar os pedidos de Guterres para condenar Israel. O SG da ONU não pode fazer mais nenhum mandato e tem que agradar à China. Costa quer fazer um segundo mandato e o Presidente chinês não é membro do Conselho Europeu.

Passando para a dimensão puramente europeia das funções de Costa, o Conselho Europeu vai mudar bastante até Maio de 2027, momento em que termina o primeiro mandato de Costa, e quando se irá decidir a renovação da presidência do Conselho Europeu.

Na Alemanha, haverá eleições em 2026 (se não houver eleições antecipadas no início do próximo ano). É quase certo que o novo Chanceler será o líder da CDU. Ou seja, no Conselho Europeu, haverá menos um socialista, Scholz (um dos maiores apoiantes de Costa), e chegará mais um líder do PPE.

Em França, haverá eleições presidenciais em Março e em Abril de 2027, e Macron não se pode recandidatar. Vai acontecer muita coisa em França até lá, mas neste momento a principal favorita a vencer as eleições presidenciais é Marine Le Pen. E mesmo que não ganhe, o mais provável é que seja eleito um presidente de direita.

Ou seja, é altamente provável que o Conselho Europeu em meados de 2027 esteja ainda mais à direita do que está agora. Será esse Conselho Europeu a reeleger Costa. O apoio de Orban não será suficiente. Convém que Costa faça tudo o que puder para conquistar o apoio de Meloni. Não será fácil, mas será crucial. E Meloni não é Catarina Martins nem Mariana Mortágua. As meninas do Bloco são cravos macios em comparação com Meloni. Mais nenhuma mulher chegou a PM de Itália. Isso diz quase tudo sobre Meloni. Buona Fortuna Sr. Presidente do Conselho Europeu.