Por estes dias regressei a Tavira, para umas curtas mini-férias, cidade algarvia que não visitava há um par de anos. Na minha última passagem havia comprado numa banca de rua, quando estas ainda existiam, “O Obelisco Preto”, de Erich Maria Remarque, por 3 euros, preço de saldo se pensarmos que o livro, já bem usado, vinha recheado de anotações e até com o canhoto de um bilhete da carreira ligando no dia 7 de Agosto de 1990, Évora a Monte Gordo, com enlace em Faro, lamentavelmente, já caducado e sem possibilidade de troca. Com várias assinaturas ao lado da contracapa, a única percetível é a de alguém que em Agosto de 1990 terá partilhado comigo as mesmas leituras de verão, vindo do Alentejo para abandonar, a sul, tão agradável companhia.
Remarque é um escritor fascinante, pela sua escrita, mas também pela sua história de vida. Como escritor, atingiu o sucesso logo com uma das suas primeiras publicações, “A Oeste nada de novo”, título que ganhou vida própria, para lá da própria obra. Remarque mudou de identidade em diversas ocasiões (o seu nome original de batismo é Erich Paul Remark), e viveu exilado, perseguido pelo governo nazi alemão e desprezado pelo mainstream intelectual de um século XX pouco interessado em quem não militasse nos fascismos ou não tributasse no pensamento comunista e socialista. Compensou o desapreço da intelectualidade e o exílio com o amor de várias atrizes: depois de um casamento atribulado com Jutta Zambona, de quem se divorciou duas vezes, encontrou nos bastidores do cinema o carinho, entre outras, da austríaca Hedy Lamarr, da alemã Marlene Dietrich e da mexicana Dolores del Rio. Morreu rico, na Suíça, na sua casa de Locarno com vista para o Lago Maggiore, nos braços da sua mulher, a atriz Paulette Goddard, que tudo fez após a sua morte para perpetuar e difundir a obra do marido.
Remarque escreveu em 1928 o que muitos consideram ter sido o primeiro best-seller internacional. Vendeu, só no primeiro ano, mais de dois milhões de cópias, tendo sido traduzido em diversas línguas; em 1930 o livro deu lugar a um filme de Hollywood, vencedor de dois óscares, entre eles o de melhor filme. Esta obra é a grande responsável pela imagem forte e poderosa que ainda hoje temos sobre as agruras da primeira guerra mundial, centrada nos soldados como vítimas indefesas do seu ambiente físico, social e cultural. Mas não apenas. Nas décadas seguintes, Remarque desenvolveu uma escrita realista intransigente, recheada de um humor negro e ironia que rejeitavam tanto as posições absolutistas do fascismo e do comunismo, como afirmavam um pensamento individualista profundamente preocupado com o pacifismo, a justiça e a tolerância. Remarque gostava de ser visto como um humanista que prezava a independência e a tolerância, não se cansando de criticar um ambiente cultural que promovia a permanente vitimização do indivíduo e não desafiava a soberania ilimitada de Estados que considerava cegos perante a injustiça social. Remarque nunca se terá posicionado como um crítico imparcial, mas como um observador diligente, mas frequentemente impotente e ocasionalmente enfurecido da realidade que foi encontrando.
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