Nas últimas semanas saíram dois artigos de opinião em jornais nacionais de considerável tiragem, escritos por dois sociólogos, sobre a Ordem dos Assistentes Sociais. Permitam-me também opinar sobre o seu conteúdo pautado por uma argumentação absolutamente infeliz e repleta de generalizações. Reportando-me aos dois artigos de opinião, ambos cometem o mesmo erro e confundem o campo de intervenção social com o exercício da profissão de assistente social.  Importa, por isso, clarificar a opinião pública de que a multidisciplinaridade é a simples associação de disciplinas diferentes para uma realização comum, mas sem que cada um dos participantes modifique as suas funções, atos e métodos de intervenção, isto é, convergem para o mesmo fim, mas não se sobrepõem. A interdisciplinaridade é a cooperação disciplinar, sim, cooperação não sobreposição. Recomendo assim, um melhor conhecimento de causa sobre atos que são exclusivos da profissão de assistente social, num campo de intervenção, ele sim partilhado com outros, a bem dos resultados que se alcançam pela complementaridade das áreas profissionais que convergem para o mesmo fim: o do bem-estar das sociedades.

Se não entenderem e continuarem a prosseguir nesta perspetiva, devem analisar com atenção o referido no regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais que é regulado no nosso país, desde 2008, pela Lei 6/2008 e revista pela Lei 2/2013, no qual se estabelecem os requisitos e procedimentos que devem ser observados para que uma ordem profissional possa ser criada por decisão da Assembleia da República. Sim, a Ordem dos Assistentes Sociais foi criada por decisão da Assembleia da República, através da lei 121/2019 de 25 de setembro, e foi objeto de um processo altamente escrutinado de consulta pública. A Lei que constitui esta Ordem observa, naturalmente, o atual enquadramento do Parlamento Europeu nesta matéria.

Caro leitor, isto significa, também, que o reconhecimento das qualificações profissionais de Serviço Social adquiridas fora do território nacional, por cidadãos da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu passam, assim, a ter uma autoridade nacional competente para proceder ao seu reconhecimento: a Ordem dos Assistentes Sociais.

Sabia o caro leitor que os assistentes sociais têm a sua profissão regulamentada num elevado número de países? São disso exemplo países como o Brasil, os Estados Unidos, o Canadá e na Europa também vários outros países já percorreram este caminho. Não é, assim, normal que Portugal tenha acompanhado esta tendência? Não ficam, pois, dúvidas quanto à sua legitimidade e enquadramento legal.

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A democracia é isto mesmo, o direito a opinar até sobre decisões que recentemente tiveram o aval concertado dos partidos políticos com assento parlamentar. Mas opinar não é, nem pode ser, condicionar e interferir sobre decisões já avalizadas e que têm impacto na qualidade do serviço público prestado pelos assistentes sociais. Apelo, assim, para uma atitude reflexiva e para um discurso informado. O conhecimento de tão prestigiadas individualidades poderia com vantagem ser aplicado sensatamente e em prol do interesse público, designadamente das pessoas e da sociedade.

Entendo que há decisões tomadas na “casa da democracia” que não são bem acolhidas por aqueles que querem manter o mercado profissional desregulado e aberto a interesses corporativos, mas há postulados que são irrefutáveis e o Serviço Social, quer se queira quer não, é uma área disciplinar das ciências sociais oficialmente estabelecida em Portugal, cujo reconhecimento remonta a 1939 (Decreto-lei nº 30 135, de 14 de dezembro). Ora, as perspetivas e pontos de vista pessoais não são domínios disciplinares.

Sim, a criação da Ordem dos Assistentes Sociais vem defender um interesse público, o interesse dos beneficiários, clientes, utentes dos serviços prestados pela profissão de assistente social. A ética e a deontologia são princípios basilares das Ordens: regulamentar uma profissão é defender a sua qualidade e os seus profissionais, porque instiga à excelência e repudia, de forma veemente, práticas que podem prejudicar os cidadãos em geral e, especificamente, os cidadãos destinatários dos serviços. O Estado criou a Ordem dos Assistentes Sociais porque é seu entendimento, e bem, que é um imperativo a regulamentação da profissão de assistente social e o controlo do exercício deontológico e disciplinar das suas práticas. É importante reforçar que o Serviço Social é uma área disciplinar das Ciências Sociais que, de acordo com as respetivas regras científicas e técnicas, intervém nas interações entre os indivíduos, as organizações e serviços sociais, especificamente em situações de exclusão social e pobreza, vulnerabilidade e risco social, destituição, desafiliação, dependência, discriminação e desigualdade. Ora, este público merece a defesa imperiosa da qualidade e rigor dos serviços que lhe são prestados.

O Serviço Social contribuiu para a promoção da mudança social, para a resolução de problemas nas relações humanas e para o reforço da emancipação das pessoas. Os assistentes sociais desenvolvem o exercício da sua profissão em setores tão diversos da sociedade como a segurança social, a ação social, a saúde, a justiça e reinserção social, a educação, a habitação e ambiente, a formação profissional e emprego, o desenvolvimento regional, local e comunitário. Não obstante, considera-se que a profissão de assistente social tem muitas áreas passíveis de desenvolvimento, expansão e aprofundamento relacionados com as transformações sociais. Distinguindo-se em cada uma delas de outro tipo de intervenção, como, por exemplo, a de que os sociólogos prestam pela sua especificidade.

A Ordem dos Assistentes Sociais assume-se como o baluarte da ética e da deontologia da profissão em todas as suas áreas de intervenção. Pressupõe-se que a Ordem seja o garante, ilimitado no tempo, apondo o seu “selo” de qualidade no exercício da profissão de assistente social.