“Navegar” no sistema de saúde é um desafio para mais de 6 em cada 10 portugueses, como aponta o último estudo sobre os níveis de literacia em saúde em Portugal. Apenas 34,5% apresentam níveis adequados de literacia em navegação no sistema de saúde, por comparação com os mais de 70% de portugueses que apresenta elevados níveis de literacia sobre vacinação (aliás, os melhores da Europa).

Mas o que é a literacia em saúde? E em particular a literacia em navegação no sistema de saúde, que se afigura cada vez mais exigente e complexa? De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a literacia em saúde corresponde a um conjunto de competências cognitivas e sociais que se refletem na capacidade da pessoa para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação em saúde, por forma a promover e manter uma boa saúde. Isto implica que a pessoa terá capacidade de navegar no sistema de cuidados de saúde sem dificuldades e “encontrar os cuidados certos no momento certo e no local certo”. Tal passa, por exemplo, por identificar o tipo de serviços de saúde adequado para um determinado problema de saúde, decidir a qual recorrer ou compreender como fazer a marcação de uma consulta ou de um exame médico.

A investigação científica mostra que as pessoas com baixa literacia em saúde utilizam mais os serviços de saúde, incluindo os serviços de urgência, com custos acrescidos para o sistema de saúde. A elevada afluência às urgências hospitalares que tem sido notícia nos últimos meses em Portugal – e a consequente sobrecarga dos serviços, muitas vezes para situações consideradas “não urgentes” – é um bom exemplo do impacto da baixa literacia em navegação. Reduzir a utilização desnecessária dos serviços de urgência é, portanto, uma prioridade.

A Psicologia, enquanto ciência do comportamento, é decisiva para a promoção da literacia em saúde, e tem-no feito de diversas formas, em linha com o Plano de Ação para a Literacia em Saúde. Todavia, as ciências comportamentais e a Psicologia podem fazer mais em matéria de navegação no sistema de saúde. Os psicólogos devem trabalhar em conjunto com outros profissionais de saúde na promoção destas competências, seja diretamente com os utentes – por exemplo, através de ações que incentivem o recurso à linha SNS24 ou que ajudem os pais com baixo nível de literacia a gerir melhor as doenças comuns da infância – seja indiretamente através dos profissionais de saúde.  Especificamente, em conjunto com estes profissionais, os psicólogos podem contribuir para o aumento da literacia em saúde dos cidadãos, ajudando a melhorar os conhecimentos sobre prevenção e autogestão da saúde e das doenças (especialmente as crónicas), considerando os fatores emocionais, psicológicos e sociais envolvidos. De forma mais lata, a psicologia pode ainda ter um papel fundamental na construção de ambientes e respostas que simplifiquem a navegação no sistema de saúde, por exemplo, contribuindo para o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas que facilitem esta navegação e os processos de tomada de decisão adequados à situação clínica de cada pessoa.

Ao longo dos tempos, a psicologia tem trabalhado em conjunto com diversas disciplinas, tendo em vista a melhoria da saúde e bem-estar de indivíduos e populações. Investir na Psicologia da Saúde Pública, aplicando os conhecimentos e métodos psicológicos à saúde coletiva, facilitará ainda o combate aos fatores psicossociais da doença que perpetuam as desigualdades em saúde. É agora, mais do que nunca, o momento para a construção de pontes sólidas entre a Psicologia e a Saúde Pública em Portugal.

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