Na segunda-feira, o partido de direita que costumava governar a França organizou o primeiro debate entre os seus candidatos às primárias para as presidenciais do próximo ano. Os Republicanos, tal como a República, enfrentam atualmente um problema de zeitgeist, no sentido em que as razões que os tornaram apelativos no passado servem para os desqualificar quase irremediavelmente no presente.

Os Republicanos são a encarnação vigente da família política que nos seus melhores dias foi chefiada pelo general de Gaulle e depois se deixou corromper por Chirac e Sarkozy, o último da linhagem de presidentes desse espaço. Como bem explica o artigo de Cátia Bruno neste jornal, o partido vive uma fase bizarra, afastado da presidência e do governo do país há quase uma década, mas capaz de vencer as eleições municipais e regionais há pouco mais de um ano.

Essa má sorte de um partido que viu serem condenados por corrupção os dois últimos presidentes que elegeu não pode ser surpreendente ou completamente lamentada, mas é um destino particular na política europeia, com um grande partido a escapar à extinção tornando-se um partido mais pequeno e relativamente secundário na vida nacional – um destino que, apesar de tudo, hoje em dia até o PS francês parece ambicionar.

Na França prosperou uma direita também particular, desconfiada do liberalismo económico britânico, pressionada por uma sociedade estatista, por uma esquerda ideologicamente forte e uma direita radical mais preocupada com a História e a cultura do país do que com a sua finança. Essa direita à sua direita esteve sempre mais presente do que noutros países europeus: nas revistas, nos jornais e nas margens da grande família gaullista, com consequências eleitorais.

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No debate de segunda-feira, quatro candidatos com gravatas azuis e uma candidata de encarnado mostraram sem brilho como a direita republicana agora se define exclusivamente pelas pressões a que está sujeita, sem vontade de fazer sínteses ou reclamar terreno próprio. Houve o discurso de sempre, sobre a necessidade de alocar fundos para proteger a indústria nacional e a importância de baixar impostos (para proteger a indústria nacional), o que não é grande exclusivo num país governado por Emmanuel Macron, mas houve também o discurso atual, sobre imigração, identidade e segurança, que tornou claros os problemas internos.

Parte do insucesso nacional pode ser atribuído ao projeto político do Presidente Macron, que provou como a terceira via pode sobreviver quando a direita abdica de quadros e de programa, mas não é isso que mais preocupa os Republicanos. O peso da identidade e da imigração no discurso público é um erro forçado, uma cedência que leva o combate político para um terreno onde todos os seus adversários podem marcar pontos. Essa foi, aliás, a história das últimas presidenciais, com Macron a prometer uma dicotomia entre globalistas e nacionalistas que serviu sobretudo para excluir a direita mais próxima de si. No segmento do debate dedicado ao Grand Remplacement, a teoria política sobre como a tolerância fará substituir o povo francês pelos povos árabes, o beco sem saída ficou evidente, uma vez que as alternativas de resposta passam por aderir ao macronismo, imitar Zemmour e Le Pen ou mastigar uma resposta que fique a meio do caminho.

O resultado é sempre o mesmo, com os eleitores a preferirem um original. Ver alguém como Michel Barnier, um político forçado a fazer carreira no meio liberal, progressista e tecnocrático de Bruxelas, tentar apresentar-se agora como um candidato presidencial inimigo da imigração e da jurisdição dos tribunais supranacionais é penoso e eleitoralmente infrutífero, mas serve como um bom exemplo da escolha feita pela direita francesa. No final do debate, toda a gente parecia concordar numa coisa: independentemente do candidato, este não é o tempo dos Republicanos e não há muito a fazer quanto a isso.

João Diogo Barbosa, jurista (@jdiogospbarbosa no Twitter), é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00. 

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