O ano de 1789 fica marcado nos antípodas da História: o ano da Revolução Francesa. De cariz iluminista, baseada nos ideais dos enciclopedistas, com crença inabalável na razão, progresso e liberdade, ambicionava fazer tábua rasa da História almejando a criação de um novo e melhor homem, ao sabor do “bom selvagem” idealizado por Rousseau. Em reacção, surge um movimento também de cariz ideológico, denominado como a contra-revolução. Este é todo um oposto dos valores iluministas, fazendo recair toda a virtude no experiencialismo dos povos, tradição e recusa dos valores “abstractos” iluministas. É então aqui, que se inaugura a moderna dicotomia entre Esquerda e Direita.

Escrevo isto para dar a perceber que qualquer sociedade não é inerte a toda uma cosmovisão globalizante e que cada movimento, seja ideológico ou político, não vive sem o seu oposto. Algo que está hoje precisamente a acontecer em Portugal. Ambos os extremos com as suas retóricas inflamadas, protestos e manifestações (algumas delas de um falso nacionalismo bacoco, outras inflamadas por um “novo jacobinismo” histórico) se alimentam um ao outro, na mais perfeita simbiose.

Parecemos estar encurralados, forçados a entrincheirar-nos em “lados”, em que cada um aclama a sua indubitável razão e verdade. Assim, parece que o nosso país já não é aquele pacífico jardim à beira-mar plantado.

Vivemos um momento delicado como sociedade. Experienciamos fracturas e polarizações inauditas em recentes gerações. Mas desenganem-se, se é por aqui que iremos resolver alguma coisa.

Segundo o filosofo Karl Popper, na sua obra A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, o nosso caminho de uma sociedade fechada para uma sociedade aberta pode ser débil e tortuoso e, como reacção, surgem ideias ou movimentos que, segundo o autor, tentam regressar ao tribalismo originário, estando nós assim numa luta inacabável contra os totalitarismos, que teimam em surgir sobre a forma de um insistente saudosismo.

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Estes totalitarismos, mais facilmente associados a movimentos de extrema-direita e presentes em toda a História, também existem naturalmente no espectro político contrário, facto esse que é inegável. É de suma importância, que o cidadão tome consciência deste pêndulo ideológico, pois quando nos barricamos exclusivamente de um lado da trincheira, as nossas próprias balas podem fazer ricochete. Cada dia que passa, experienciamos o limbo em que caminhamos, podendo facilmente sermos nós próprios os inimigos de uma sociedade saudável e tolerante.

Sei que apelar à moderação e equilíbrio, nos tempos que correm, não é popular e pode passar despercebido, mas não é isso que pretendo também. Não confundir, claro, estes termos com coisas como complacência ou indiferença.

Há problemas que existem, mas a luta identitária e a “Cancel Culture”, como a que verificamos com o livro de Ricardo Marchi sobre o CHEGA, não são muito abonatórias para uma sociedade que quer ser apelidada como democrática.

Seja ela de direita ou de esquerda, estas lutas não são solução, causando maior fragmentação e quezílias, em que sobre elas irão crescer os extremos de ambos os “lados”.

O problema é esse mesmo: a existência de “lados” e de uma agenda puramente ideológica dos extremos da direita e da esquerda. Vejam a facilidade como estes extremos aos empurrões se encontram, como se de uma luta entre o bem e mal se tratasse. É de facto perverso, quando transformamos todo e qualquer assunto, numa matriz ideológica de dois polos opostos.

Em questões como as que debatemos hoje, em qualquer tipo de discriminação ou injustiça não existem “lados”. Existe apenas o bom senso, aceitação e tolerância. Não se esqueçam que mais do que o restante, são os nossos valores e ideias que nos definem, não a cor de pele, a orientação sexual ou a religião.

Those who promise us paradise on earth never produced anything but a hell” (Karl Popper)