Pouco permanecerá igual no Partido Social Democrata depois de 2019. É importante entender que seria assim, independentemente da dimensão dos resultados eleitorais e independentemente do tempo dos desafios à liderança de Rui Rio. São os agentes dessa mudança – e não a ocorrência dessa mudança – em jogo no calendário vindouro. E não é possível analisar a tomada de posição de Luís Montenegro sem reconhecê-lo.

À primeira vista, o ex-líder parlamentar não tem nada a perder com a iniciativa. Se tiver sucesso, e a moção de censura interna passar, é líder a tempo de unir, mobilizar e, sobretudo, normalizar o seu partido. Se não tiver sucesso, poderá clamar que esteve “disponível” antes da hecatombe eleitoral a que este PSD se condenou – o que me parece uma atitude corajosa e até responsável para quem se preocupe com o futuro do centro-direita. Falhando em Conselho Nacional, Montenegro teria dado prova de vida sem se sujeitar depois a derrotas em europeias ou legislativas – algo que certamente o preocupa e que já o afastou de ser candidato uma vez.

À segunda vista, não há mel para tantas laranjas. O discurso de Montenegro foi magro e solitário. Sondagens anónimas e devaneios de baronesas não chegam para depor ninguém. Mesmo que Montenegro chegue a presidente do PSD, será perseguido pelo precedente que ele próprio abriu, ficando obrigado a convocar eleições a cada contestação que venha a sofrer. Não conseguiu justificar porquê agora – e porquê ele – na medida em que todos os seus argumentos contra Rio são válidos há vários meses. Sobretudo, esqueceu o principal: a estratégia de Rui Rio não é apenas prejudical para o PSD; é prejudicial para o sistema político, pois abre um vazio a preencher por algo bem pior.

Se Rio souber gerir o nome do cabeça-de-lista, a proximidade às europeias é um problema para o dito “golpe de Estado”. As reações gélidas de autarcas próximos do montenegrismo, como Ricardo Rio e Ribau Esteves, também. A distritais de Braga, Porto e Aveiro idem. Quem ouviu o eurodeputado José Manuel Fernandes defender a legitimidade da atual direção poderá ter pensado, com algum humor, que os cavalheiros que queriam salvar o seu lugar numa lista foram tramados por outros cavalheiros de semelhantes intenções. Como é óbvio, não é assim tão simples (nem tem assim tanta graça).

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A soma destes situacionismos é tão danosa para o partido como para a candidatura de Luís Montenegro, que assim perde a sua aura de inevitabilidade e unanimidade. Afinal, o homem de Espinho tem o cérebro mais capaz da sua direção parlamentar a candidatar-se contra si, assim como o melhor autarca social-democrata disponível para isso. Eu sou suspeito: sou amigo de ambos.

Além disso, Montenegro ter saído precocemente da toca oferece a Rui Rio algo que não tinha: uma causa mobilizadora. Como é sabido, todos os autocratas necessitam e beneficiam de um inimigo externo. Rio, que nunca quis ser anti-Costa, cultivará o anti-montenegrismo. Apesar de tudo, seria desonesto julgar que o que se está a passar no PSD se resume a egos, táticas ou lugares. O que aconteceu neste início de ano não foi um acaso. Dirigentes como o histórico Pedro Pinto, de quem Rio foi vice-presidente no tempo da JSD, não dariam a cara por esta contestação se não verificassem um desconforto significativo dos militantes face à presente conjuntura.

Hoje, o PSD é um partido sem barões, sem poder local, sem sociedade civil e sem imprensa. Qualquer líder será vítima disso e dos ciclos políticos, que estão cada vez mais curtos. O único modo de sobreviver a esse desgaste é promovendo uma responsabilização coletiva de protagonistas. Após a disputa e o debate – se os houver – é imperativo que o vencedor reúna todas as tendências e todas as figuras de relevo. Definitivamente, o centro-direita português só voltará a não perder em conjunto quando estiver disponível para vencer em conjunto.