O Congresso do Partido Comunista da China acabou definitivamente com uma enorme ilusão liberal: a integração da China na economia global e o aprofundamento das relações comerciais levariam a uma progressiva abertura e moderação do regime chinês. No último Congresso, Xi Jinping consolidou o seu poder e agora governa a China como se fosse um Imperador moderno. A prisão em directo do seu antecessor, Hu Jintao, foi a demonstração simbólica do seu poder absoluto.

O reforço do poder de poder de Xi é notório na composição dos órgãos do partido, nomeadamente o Comité Permanente do Politburo (o centro do poder). O antigo PM, Li Keqiang, o maior defensor da abertura do regime, e o maior opositor de Xi, foi afastado. A saída de outro reformista, Yi Gang, Governador do Banco Central, também é vista como um retrocesso. Nas escolhas dos novos membros, prevaleceu a lealdade e a obediência a Xi em vez da competência ou do talento. Muito provavelmente, estas escolhas vão tornar a recuperação económica da China mais difícil e mais demorada. Aliás, a reação dos mercados com grandes perdas de empresas chinesas listadas mostra a percepção negativa sobre o futuro da economia chinesa. O índice bolsista chinês está hoje ao nível do final dos anos de 1990.

A China é igualmente vista como uma potência emergente com uma expansão sem retorno até se tornar a maior economia do mundo. Talvez seja esse o destino da China, mas actualmente há sinais muito preocupantes. O envelhecimento do país está a ser mais rápido e mais dramático do que se previa. A dívida pública, cerca de 270% do PIB, é alarmante especialmente no caso de um país cuja moeda não é uma referência global. A dívida privada e o colapso do mercado imobiliário estão a atrasar o crescimento económico. A política Covid zero, incompreensível, e caso único no mundo, impede a recuperação da economia. A China enfrenta assim um fraco crescimento económico, o que no caso chinês significa na verdade uma recessão.

Parece óbvio que a liderança chinesa está preocupada com a situação do país. Como resultado, apertou o controlo político e económico, e tornou-se mais ideológica e menos reformista. O sector privado será uma das maiores vítimas. Tem sido um dos motores do crescimento económico, mas a partir de agora será inteiramente controlado pelo Estado, ou será mesmo nacionalisado. O investimento externo também irá diminuir.

A grande incógnita será a consequência da viragem totalitária para a política externa chinesa. Haverá uma China mais agressiva regionalmente, incluindo em relação a Taiwan? Ou vamos assistir a um período de maior isolacionismo com a China a concentrar-se nas questões internas? De qualquer modo, haverá um maior afastamento entre os países do G7 e a China nos próximos anos. A própria União Europeia tem dado sinais claros de que olha para a China como um rival e um competidor. Apesar da visita a Pequim do Chanceler alemão na próxima semana, a tendência de afastamento da China não mudará.

No meio destas mudanças internas na China e das alterações na geopolítica global, Portugal poderá ser forçado a fazer escolhas que quer adia ou que não está preparado para fazer. A China é um dos maiores investidores externos em Portugal. Os EUA é o maior aliado na defesa do país. Todos sabemos que ninguém em Portugal deseja ter que escolher entre um e outro. Mas, muitas vezes, a política não se faz com base em desejos. Por vezes, é necessário fazer escolhas difíceis. O que fará Portugal se o confronto global entre os EUA e a China não der margem para posições neutrais, especialmente na Europa? Convém pensar nisso porque o dilema pode surgir mais cedo do que se julga.

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