Uma vez passei um dia muito agradável a rir-me às gargalhadas na biblioteca principal de Cambridge. Felizmente era quase Natal, passei o dia no quinto andar duma ala sem ver vivalma, sentada encostada ao radiador do aquecimento central.
Estava a ler livros e journais de História da Revolução Cultural Chinesa e dei com ‘produção de conhecimento’ (escrevo isto com os sais junto ao nariz) admirável de reputados académicos. Li elogios à censura maoista e críticas aos intelectuais que desafiavam os limites da censura, que afinal deviam acertar primeiro com as autoridades o que publicavam. Um afirmava que Mao era um visionário (lá isso era, mas não da boa espécie) e referia a ‘retidão moral’ dos Guardas Vermelhos (os adolescentes que se dedicaram a torturar e a assassinar professores e inimigos imaginários depois de Mao os incitar a essa violência).
A gargalhada maior veio com uma defesa da Revolução Cultural, argumentando que um agente político experiente e pouco aventureiro como Lin Biao a havia apoiado. Lin Biao, um ano após a publicação desta zurrapa, morreu num voo em fuga para a União Soviética depois de se descobrir um início de golpe que o envolvia para assassinar Mao.
Lembrei-me desta produção científica (ou, em linguagem mais comum, destas aldrabices) de académicos favoráveis ao maoismo (ou, em linguagem que por cá se usa muito, de gente ‘do lado certo da história’) ao ler este texto de Nicholas Kristof onde confessa a intolerância ideológica e religiosa da academia americana. Refere um cristão negro cuja maior dificuldade na academia não era a cor de pele, mas a religião. E constata que em muitos departamentos universitários é mais fácil encontrar marxistas que republicanos.
Mas, rejubilemos, não é só na academia que temos a sorte de nos impingirem as aldrabices do lado certo da história. O Facebook, segundo denúncias desta semana, elimina da informação dos tópicos mais partilhados as notícias com sabor à direita e dos sites conservadores americanos. (O visado negou.)
Alguns jornais ditos de referência parecem panfletos do BE e do PS camuflados e exibem o mesmo amor à verdade. Eu, que tenho por princípio não dar dinheiro a propaganda socialista, sou tão frequente a comprá-los quanto a enviar fatos de treino de presente a Maduro ou elásticos para o cabelo a Pablo Iglésias.
E é mais ou menos nesta linha de absurdos que devemos ler a denúncia de Aguiar-Conraria de uma tremenda conspiração entre a (inexistente) direita liberal e a Igreja Católica para tomar conta, se não do universo, pelo menos de Portugal. (Às armas, às armas. Sim, ironizo.)
Deixemos de lado a (in)existência de direita liberal – estaremos, na pior alternativa, empatados com a esquerda, que nunca é nem pode ser liberal. Pela veia estatista e controleira que a consome, seja na atividade económica, seja na exigência de comportamentos higienistas e sanitários (ai o sal) e protetores do ambiente (ai taxemos muito alimentos de zonas distantes que gastaram combustíveis fósseis no transporte), seja a doutrinar alunos (ai tudo a ler esses grandes vultos literários que são Alegre e Saramago). E nestes pontos não ficam atrás na religiosidade, no puritanismo e no moralismo do católico mais picuinhas.
Ora qualquer pessoa que conheça minimamente a Igreja portuguesa vê-a embevecida pela esquerda. É comparar a complacência com Sócrates face às críticas cerradas a Passos Coelho. E, se tiver de me lembrar das figuras arrebatadas que faziam os padres católicos com Guterres, ainda hoje coro com vergonha alheia.
Tem piada. A Igreja adora e protege uma esquerda que cada vez mais a execra e despreza os católicos. Até parece que a esquerda tem um fetiche com a Igreja como os católicos ultraconservadores (agora felizmente são postos no lugar pelo Papa Francisco) com os gays. Obsessão tão dramática que, exemplo, uma ateia declarada se vê impelida a opinar sobre um questionário que a diocese de Lisboa fez aos católicos no âmbito do sínodo para a família. O tal que pretendia tratar de assuntos tão interessantes para um ateu como a comunhão (sacramento em que o ateu não acredita) para os divorciados e o acolhimento nas paróquias (instituições que o ateu não frequenta) de famílias e crentes que até agora eram excluídos.
E com a ajuda da Igreja chegámos aqui. Temos um governo transformado em agente comercial da Fenprof a angariar mais sindicalistas para Mário Nogueira – e que reconhecimento da aldrabice do argumento da duplicação de recursos é prometer-se contratar professores e auxiliares despedidos das escolas com contratos de associação para as escolas estatais. Temos um governo com pessoas com dificuldade na matemática: diz bastar contratar mais dois professores por cada turma que se abrir (Carlos Guimarães Pinto argumenta que são três), como se as escolas não tivessem também mais gastos de manutenção dos equipamentos então mais usados, eletricidade, mais vigilantes, etc.
Temos um governo que considera que tudo na vida em sociedade tem de passar pelo estado – mas isso não espanta, afinal são socialistas. Eu tenho opinião contrária e digo que o estado só deve estar onde os privados não conseguem chegar – afinal sou da inexistente direita liberal. E temos ainda um governo que tem o prazer acrescido de dar uma cacetada na Igreja encerrando-lhes colégios que prestavam bons serviços aos alunos que ensinavam, que passarão a desfrutar as greves da Fenprof em dias de exames.
Pode ser que da próxima vez a Igreja saiba escolher as companhias.