Tem hoje mais governantes do que deputados à Assembleia da República, e mais comentadores na televisão do que a soma destes todos. Perante ele, o país balança entre a indiferença e a troça, em parte pela impreparação dos responsáveis nacionais, a começar pelo presidente da direcção e ministro da Defesa para quem a sigla da NATO não está inteiramente esclarecida. Suponho que a agonia de um partido nunca seja um espectáculo entusiasmante, mas o CDS morreu assassinado e, aparentemente, por engano. A tentativa de o fazer passar por vivo acrescenta um elemento grotesco que a história e os últimos militantes não mereciam. Fui incapaz de prever que o golpe de misericórdia partiria de Lisboa.

Diogo Moura, vice-presidente do CDS, e vereador em Lisboa com o pelouro da cultura no governo Novos Tempos, foi acusado pelo Ministério Público de fraude em duas eleições internas para delegados ao Conselho Nacional, em 2019 e 2021. Quando a notícia se tornou pública, Diogo Moura demitiu-se da vice-presidência do CDS, mas manteve-se na vereação, como se a acusação do Ministério Público dissesse respeito a um assunto circunscrito à esfera do partido. Um erro grave. Este entendimento desrespeita o governo da cidade, os eleitores da cidade, e o papel fundamental das eleições no processo democrático. Diogo Moura, politicamente instruído no coração do aparelho partidário, só deixou o governo de Lisboa quando Carlos Moedas lhe pediu.

Desde que esta direcção do CDS tomou posse, em Abril de 2022, a “renovação” trouxe as mesmas velhas caras. A tão reclamada “união interna” reconciliou querelas de há 30 anos, mas deixou intocadas as mais recentes e significativas. Os “quadros” do partido são as pessoas que Paulo Portas escolheu e promoveu nos seus quase 20 anos de presidência, nenhuma delas com relevância política própria. Dos “quadros” que até 2022, ex-ministros e ex-secretários de Estado pelo CDS, destruíram activamente o partido na televisão, sobra agora o fundo de uma espécie de casa civil de Portas, missionários da saudável convivência com o PS e da nobre distância do “populismo”, da “extrema-direita”, da “direita iliberal” e de qualquer direita que interesse ao país. A deles é a “direita educada”, a outra é a dos brutos. Para isso, este PSD fez com Paulo Portas uma AD a fingir, uma AD virada do avesso cujo primeiro objectivo foi dividir a direita e assegurar que nunca em Portugal se pudesse governar sem o PS e contra o PS. Precisamente o oposto da verdadeira AD, que juntou em si todos os partidos relevantes da direita e levou Sá Carneiro a explicar que não queria inimigos à direita. Para a “direita educada” de hoje, todos os convívios com a esquerda são aconselháveis; e com a extrema-esquerda são até instrutivos, construtores de bom carácter, e orientadores de autoridade moral. Nenhum preceito da religião woke fica de fora da sua esmerada educação, e a estupidez desta cedência de poder à esquerda dá vontade de chorar sempre que os senhores ministros cumprimentam as plateias desejando “boa tarde a todas e a todos”.

A vida dos partidos é mesmo assim, feita de concórdias e discórdias. É bom que assim seja. Ninguém pense que a militância é um passeio nas pastagens da Suíça. De resto, a militância num partido é a nossa primeira coligação: aprendemos a conviver com posições diferentes, interpretações diferentes, opiniões contrárias à nossa, atitudes muitas vezes difíceis de engolir; aprendemos, no fundo, a negociar a aplicação prática da nossa filosofia, e até a moldar essa filosofia, testando a plasticidade da nossa intransigência pela capacidade de bater de frente contra o erro e regressar a um grau de suportável dignidade interior. A militância num partido pode ter por consequência, para quem se interessa pelo lado nobre da política, a prevenção contra o fanatismo. Mas uma coisa é estar num partido e ter com a direcção nacional divergências profundas, até insanáveis. Confia-se em que há um mandato, e um prazo, e um sistema de eleições; e que um dia a nossa posição pode ser maioritária, e chegar a decidir a política do partido. Outra coisa é o actual CDS.

Essa confiança acabou. Já tínhamos percebido que o CDS não tem votos externos, agora duvidamos se tem ou não votos internos. Não sabemos se os delegados de 2019 e 2021 foram efectivamente eleitos, não sabemos que resultados nos dariam outras eleições, não sabemos se esta direcção corresponde ou não à representação da vontade dos militantes. O CDS deixou de ser um partido. Pela erosão do tempo mal interpretado, por acções externas ou internas, mas sobretudo internas, o CDS transformou-se num clube de amigos desta direcção. Não sou amiga desta direcção, não faço parte deste clube.

Existe, no entanto, um resto de CDS real que não podia passar sem mencionar. Ele está nos órgãos eleitos para o município de Lisboa, seja na Câmara, na Assembleia Municipal, ou nas Juntas de Freguesia. Respeito, defendo, e subscrevo o trabalho da coligação Novos Tempos na Câmara do presidente Carlos Moedas, do vice-presidente Filipe Anacoreta Correia, e do conjunto dos seus vereadores. Agradeço a Filipe Anacoreta Correia a confiança que teve em mim e a abertura para me ouvir contrariá-lo. Respeito, defendo, e subscrevo o trabalho do Grupo Municipal do CDS, liderado por Martim Borges de Freitas, a quem agradeço a paciência, a serenidade, e a inteligência das muitas conversas sobre política autárquica. Respeito, defendo, e subscrevo o trabalho dos dois Presidentes de Junta pelo CDS, Madalena Natividade em Arroios e Carlos Ardisson no Parque das Nações, dois governantes de grande firmeza e coragem política em freguesias particularmente difíceis de Lisboa. Um orgulho para a direita. Ou dois orgulhos, melhor dizendo. Continuarei a defender o trabalho de todos eles pela cidade de Lisboa e pelos princípios em que acreditamos.

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