Só percebe o que é trabalhar por turnos quem efetivamente o faz!

Só sabe o que é trabalhar à noite e dormir (mal) durante o dia quem o pratica. E quem já não o faz, ou deixou de o fazer, depressa o esquece.

Numa sociedade onde o ciclo horário normal é trabalhar de segunda a sexta, das 8 ou das 9 horas às 16 ou 17 horas, eventualmente ao sábado, mas sabendo sempre que, garantidamente, goza de fins de semana, feriados, passa o Ano Novo em casa, a Páscoa em família e o Natal em comunhão, é difícil compreender os sacrifícios feitos de quem trabalha por turnos (e aqui não falo só dos enfermeiros).

É difícil compreender que ao fim de 10, 20 anos de profissão, as insónias se tornam cada vez mais comuns, é difícil entender as perdas de memória constantes, o cansaço acumulado. Ao fim de tantos anos de trabalho, muitas vezes já não se dorme durante o dia, porque há uma vida familiar para conciliar: uma criança para cuidar, uma casa para manter, refeições para cozinhar e uma vida para além do trabalho.

Talvez, precisamente por isso, seja tão difícil às instituições conceder os chamados horários fixos ou flexíveis aos trabalhadores – porque, simplesmente, quem se senta nos conselhos de administração e ocupa cargos de direção nunca o fez, ou, se o fez, já foi tantos e tantos anos, num tempo longínquo que parece ter desaparecido do mapa, desde que se encontrou uma zona de conforto profissional.

Gostava que os membros dos diferentes Governos, nomeadamente nas administrações centrais, no Ministério da Saúde ou das Finanças, experimentassem, por um só dia que fosse, trabalhar à noite e fossem obrigados a dormir durante o dia, que praticassem um horário rotativo como a larga maioria dos enfermeiros faz todos os meses.

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Gostava ainda que experimentassem a náusea pós laboral: os cheiros, os aromas hospitalares nocturnos e diurnos fruto da prestação de cuidados, que tivessem que mudar de farda uma vez por turno – suja de vómito, sangue ou urina, ou apenas da própria sudorese intensa que não encontra alívio em ares condicionados avariados.

Gostava que experimentassem utilizar os EPI, os equipamentos de proteção individual, de cada vez que é necessário entrar nas várias áreas de isolamento.  Mas, acima de tudo, e quando precisassem, gostava que utilizassem o Serviço Nacional de Saúde nestas condições, de que tão bem falam, e não a ilusão criada para quando por lá passam de visita.

Talvez assim, e se calhar só mesmo assim, valorizassem a profissão de enfermeiro, reconhecessem efetivamente a necessidade dos enfermeiros terem direito a uma reforma antecipada pelo desgaste físico e psicológico inerente à profissão e criassem uma tabela salarial digna de um profissional que trabalha durante a noite, com todas as consequências inerentes.

Mas isto é só um devaneio de alguém que acabou de sair do turno da noite e que (ainda) acredita que, um dia, a profissão será devidamente valorizada e reconhecida na folha de salários. Por que anjos brancos e madres Teresa de Calcutá não têm contas para pagar. Mas os enfermeiros, sim!