O eventual leitor deste texto terá sobre o autor a vantagem de poder conhecer os resultados das eleições parlamentares de ontem na Suécia — que eu não conheço ainda, quando escrevo este texto. Mas conheço as sondagens e os alertas insistentes da melhor imprensa internacional das últimas semanas sobre a hipótese de um segundo lugar, com perto de 20% dos votos, para um partido radical anti-imigração (até agora praticamente irrelevante).
Pode ser que os resultados não tenham confirmado as sondagens. Mas a questão é esta: já não estamos a falar da Grécia, nem de Espanha, nem da Hungria, ou da Polónia, nem mesmo de Itália, ou do sempre excêntrico Reino Unido. Agora estamos a falar da ordeira, liberal e social-democrata Suécia. Por que motivo estão os eleitores em revolta contra os partidos clássicos — e ‘clássicos’, para mim, é um elogio — nas democracias do Ocidente? E por que motivo essa revolta foi também agora equacionada, pelo menos como hipótese, para a ordeira, liberal e social-democrata Suécia?
Não pretendo saber a resposta. Mas sustento que os factos estão a refutar as respostas politicamente correctas que até aqui têm inundado a comunicação social e os meios ‘bem pensantes’. Dizem eles que está a ocorrer uma onda ‘nacionalista’, ‘soberanista’ e ‘extremista’ contra os ideais ‘trans-nacionais’ ou ‘supra-nacionais’ ou ‘multiculturais’ da democracia liberal.
A primeira e fundamental questão que tem de ser colocada (e que venho colocando suavemente desde pelo menos um artigo que publiquei em 2012 no Journal of Democracy) é muito simples: por que motivo deveria o sistema de regras gerais, que constitui a democracia liberal, ser identificado com um programa substantivo particular, (como é o caso do ‘multiculturalismo’, ou ‘governação supra-nacional’ ou ‘abertura total à imigração’)?
A identificação da democracia com um programa substantivo particular é um erro grosseiro que remonta pelo menos à funesta revolução francesa de 1789 e à versão continental do Iluminismo que a inspirou. Nesta interpretação, a democracia não deveria ser apenas um sistema de regras gerais, imparciais e iguais para todos, que pudesse garantir a concorrência pacífica e a alternância parlamentar entre propostas e partidos rivais. Na interpretação de 1789, a democracia devia ser uma ‘correcta libertação’ do povo contra preconceitos e tradições que até aí o tinham oprimido (ainda que, curiosamente, como recordou Isaiah Berlin, por sua própria vontade).
O resultado é conhecido. Em vez da tranquila e civilizada concorrência e alternância de propostas e partidos rivais no Parlamento (como acontece em Westminster há pelo menos 329 anos), tivemos no continente europeu guerras tribais entre seitas rivais, revoluções e contra-revoluções. E tivemos pobríssimas guerras ideológicas entre primitivos extremismos rivais — usando comuns linguagens rudimentares, de gosto pelo menos duvidoso. Por outras palavras, os extremos alimentaram os extremos.
É isto que está a voltar a acontecer. Como escreveuo norte-americano William Galston na mais recente edição da britânica The Spectator, ‘um internacionalismo desenfreado alimentará a sua antítese: um nacionalismo desenfreado’. Este foi também o argumento que ele apresentou — sob o título, ‘Em defesa de um patriotismo razoável’ — na Palestra Memorial Ralf Dahrendorf, na mais recente edição do Estoril Political Forum. Sintomaticamente (para quem reparou) o título global deste Estoril Political Forum precisamente recusava a dicotomia infeliz entre nacionalismo e internacionalismo. Por isso se chamou ‘Patriotismo, Cosmopolitismo e Democracia’.
Por outras palavras, se os partidos clássicos aceitarem a errónea identificação da democracia liberal com a utopia supra-nacional e a imigração ilimitada, alguém vai aparecer no mercado eleitoral para oferecer o que os partidos clássicos não oferecem: a defesa do legítimo sentimento nacional. Só que esse ‘alguém’ vão ser partidos e/ou candidatos marginais, muitas vezes extremistas — que vão demagogicamente ocupar o espaço deixado vazio pelos partidos clássicos e pela sua incapacidade de defenderem um ‘patriotismo razoável’