A pergunta do título é uma provocação, mas toca no ponto: os festivais de Verão são cada vez menos acerca de música e de concertos. Daí que se tolere a sobrelotação dos espaços, impossibilitando a devida circulação entre palcos (e as filas para tudo e mais alguma coisa). Ou que, após tantos anos e edições, a qualidade do som permaneça consistentemente medíocre nos festivais lisboetas junto ao Tejo, sempre abafado pelo vento. Ou ainda que se tenha tornado hábito a invasão de grupos em conversa junto às zonas de palco, enquanto os artistas tocam canções que, pelos vistos, nem todos têm interesse em ouvir. Isto para não insistir na epidemia de telemóveis que registam fragmentos dos espectáculos, impedindo outros de efectivamente desfrutar dos concertos. Ora, apesar de todas estas insuficiências, os festivais portugueses nunca tiveram tanta procura e estão perto do auge. Porquê? Porque uma parte significativa do público do Rock in Rio, NOS Alive, Super Bock Super Rock ou MEO Sudoeste não vai pelos concertos, mas pela experiência de participar num evento popular que tem na música o seu pano de fundo. A música já não é o prato principal.

As coisas são como são, não vale a pena criticar. Os tempos mudaram desde há 20 anos, quando os festivais não tinham mais do que um palco, dois WC infestados e três roulottes de bifanas. E, entretanto, os festivais portugueses deixaram de destoar de outros europeus – em alguns casos, até se tornaram melhores. Mas o que mais mudou nos últimos anos foi o próprio modelo de festival de Verão. Hoje, os produtores vêem-se na necessidade de conciliar a organização de um evento de massas com um público de interesses dispersos e com os seus patrocinadores, que sustentam os cachets dos artistas de primeira linha e que procuram legítimo retorno comercial desse investimento. Ora, os festivais portugueses acima referidos têm-no feito com rigorosa competência, criando experiências multidimensionais e alcançando o sucesso comercial – bilhetes cada vez mais caros e sempre esgotados, ampla difusão mediática dos eventos, patrocinadores satisfeitos. Só merecem ser congratulados.

Mas, chegados aqui, há duas questões que importa discutir. Primeiro, se, tal como existe, o actual modelo de grande festival não terá atingido um certo esgotamento – maus acessos, desconforto geral provocado pela sobrelotação, banalização provocada pela ausência de novidades (nos artistas contratados, nas actividades, nas localizações). Miguel Cadete, director da Blitz, abordou o tema com pertinência, sublinhando à premência de identificar novas fórmulas, uma vez que “as actuações das bandas, por si só, já não chegam para criar a experiência que tanto público como patrocinadores exigem aos produtores de festivais”. Ou seja, mais cedo ou mais tarde, a sobrevivência destes festivais dependerá da sua capacidade de continuamente diversificar as dimensões do evento, oferecendo (ainda) mais opções de entretenimento do que “apenas” concertos.

A segunda questão, em sentido contrário à primeira, é se, perante tal evolução do modelo de festival de Verão, não começa a fazer sentido uma aposta paralela em festivais concebidos para o público consumidor de música que, progressivamente, se vê afastado dos grandes festivais. Ou, dito de um modo directo, na concepção de festivais (de média dimensão) com uma identidade definida e cuja raison d’être esteja efectivamente na qualidade do cartaz e dos concertos.

Actualmente, isso encontra-se sobretudo nos pequenos festivais de nicho. No exemplar Amplifest (Porto), dedicado à música alternativa de peso, construído sem patrocinadores e onde o respeito pela música e público é palpável do primeiro ao último segundo. Ou, por exemplo, no psicadélico Reverence Valada (Cartaxo), que assume a missão de trazer a Portugal e dar a conhecer ao público melómano os novos talentos desconhecidos do rock alternativo. Mas, note-se, o modelo não se limita a pequenos nichos. O NOS Primavera Sound (Porto), sendo um festival de média dimensão, apostou numa localização diferenciada da concorrência, optou por cartazes consistentes em várias vertentes da música indie/alternativa e provou que esse modelo de festival também pode ser comercialmente bem-sucedido. E em Lisboa? Bom, em Lisboa não existe nada do género – só mesmo Alive, SBSR e RiR. Se calhar, a resposta à falta de inovação na produção de festivais poderia começar por aí.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR