Foi comemorado na Assembleia da República, em sessão solene; na Assembleia Municipal de Lisboa, por entre acrobacias grosseiras; na televisão, com toda a insignificância de que é capaz aquela gente que arrasta a sua insignificância na televisão. E em colóquios, debates, conferências em todo o país, alguns muito bons, designadamente no Porto. Por regra, as coisas são melhores no Porto. Deixado assentar o pó, olhemos outra vez com atenção, sobretudo para uma parte reveladora do que se ouviu a propósito do 25 de Novembro.

A esquerda, não só a extrema-esquerda mas também a parte tida por frequentável, construía os seus planos a partir do seguinte axioma: “o país não estava preparado para viver em democracia”. E até hoje não mudou de ideias. De acordo com as patrióticas cabeças que durante a última semana falaram em nome da esquerda, é ponto assente que em 1975 Portugal “não estava preparado” para viver em democracia, como se prova por ter “aceitado viver 48 anos em ditadura” durante o Estado Novo.

Perante esta evidência, a resposta divergiu. A extrema-esquerda defendeu que não devia haver eleições e tentou impedi-las. O meu pai murmurava periodicamente uns resmungos contra certos intelectuais e certos grupelhos, por não se esquecer desta cruzada deles contra as eleições para a constituinte, em 25 de Abril de 1975. Soares, por seu lado, preocupou-se com as instituições do novo regime, de maneira que decidiu moldá-las à maneira do Partido Socialista, para as tornar “democráticas”. Tinha uma certa razão. Mas vamos por partes.

Se recuarmos mais 16 anos, Portugal viveu num regime de brutalidade caótica e violência opressiva, promovida pelo partido do Estado, com mais mortos e muito mais presos políticos do que em toda a duração do Estado Novo. Como é que a esquerda explica isto? Admitirá que o regime de terror jacobino terá justificado a predisposição do país para a ditadura ordeira do Estado Novo, como parece fazer sentido? Ou, pelo contrário, insistirá numa proverbial mansidão e cordura dos portugueses para também justificar a duração da Primeira República? Ou, ainda, apresentando-se como “socialista, republicana, e laica”, reconhecendo-se herdeira da Primeira República, a esquerda escolhe falsificar a história, na ordinária e longa tradição esquerdista de acrescentar e apagar dos registos o que lhe convém?

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Por junto, somando o Estado Novo e a Primeira República, a “longa noite” não durou 48 anos. Portugal e os portugueses viveram 64 anos submetidos a regimes totalitários.

Vamos então à receita de construir instituições novas e fortes, moldadas à maneira da esquerda para garantir que eram “democráticas”. O Partido Socialista começou aqui a instalar-se e a impor o seu abominável paternalismo, em bom rigor, com o pretexto declarado e pretensioso de defender Portugal dos portugueses. Só fez mal ao país? Não necessariamente. Mas fez-lhe muito mal, e com efeitos que duram até hoje. Falo da Constituição, cujo preâmbulo ainda menciona o desejável caminho para o socialismo. Mas falo também da ocupação do Estado, o domínio da imprensa, o domínio da universidade, da educação, e da cultura. E ainda pior: estabeleceu um ascendente determinante e despótico sobre o que é ou não é “democrático”. O Partido Socialista chamou a si a chefia das instituições e também do pensamento.

O mesmo Partido Socialista, logo a seguir ao 25 de Novembro, tratou de reabilitar a extrema-esquerda julgando, com razão, que podia precisar dela. Como de facto precisou e usou miseravelmente. Hoje toda a esquerda está enfraquecida. Mas esta condição não a torna mais dócil ou suave. Pelo contrário, o desespero torna a esquerda mais imprevisível, mais descontrolada, e muito mais perigosa. Bem sei que foi pela voz de Isabel Moreira, mas agora uma parte do socialismo protocolar inventou que afinal o 25 de Novembro tinha vencido a extrema-direita. E não é por parecer insensata que a dra. Isabel Moreira emite opiniões lúcidas. Se lhe dermos oportunidade, a esquerda volta a tentar impor os seus projectos despóticos e totalitários, como fez durante o PREC. Em 2024, como em 1975, a esquerda tem de ser combatida impiedosamente.