“Compassion is a muscle that gets stronger with use”
Gandhi
Há quem confunda empatia e compaixão, mas são distintas e complementares. A empatia é sentimento, a compaixão é ação.
A empatia gera sintonia e cria proximidade. Compreendemos o outro, partilhamos as suas alegrias e sofrimentos, vamos ao seu encontro e somos capazes de acolher com mais facilidade e menos julgamento.
A compaixão compromete-nos, convoca-nos a fazer tudo o que está ao nosso alcance pelo outro. Darwin afirmou que a compaixão protege as espécies e, dois séculos depois, a compaixão é uma ciência provada, rigorosa, com evidência científica enunciada em incontáveis estudos feitos por investigadores das melhores universidades do mundo.
Do Japão à Suíça, da Áustria aos Estados Unidos, do Tibete ao Reino Unido, seja em mosteiros ou em academias como Harvard, Oxford, a Johns Hopkins, Princeton ou Yale, a convergência é total neste despertar científico para a importância da compaixão. Não se trata de ‘soft science’, note-se, e muito menos de uma ciência sensível, ‘touchy feely’.
A evidência científica é abundante e não só prova os efeitos da compaixão em diversas áreas de especialidade, como consegue medir o impacto de uma relação/conexão humana compassiva em profissões tão críticas como as dos médicos, enfermeiros, terapeutas, técnicos e psis, entre muitos outros.
Stephen Trzeciak e Anthony Mazzarelli, médicos norte-americanos, publicaram em 2019 um livro revolucionário a que deram o eloquente título “Compassionomics”. Foi escrito antes da pandemia, mas lido agora, à luz desta nova realidade, torna-se ainda mais fundamental. Devia ser de leitura e estudo obrigatórios em todos os cursos de medicina e enfermagem, assim como nas escolas para técnicos e outros profissionais de saúde, mas o título não deixa margem para equívocos: a ciência da compaixão aplica-se com igual impacto e resultados semelhantes ao mundo da gestão e dos negócios.
Stephen Trzeciak, investigador e médico intensivista, descreve-se como um ‘research nerd’. Dirigiu uma unidade de cuidados intensivos sempre em paralelo com a sua atividade académica. Foi publicando os resultados das suas pesquisas científicas em revistas médicas altamente prestigiadas, mas percebeu que precisava de suspender a atividade hospitalar para se dedicar a escrever sobre a ciência da compaixão depois de o filho mais novo lhe ter pedido ajuda para um trabalho de casa, cujo desafio era responder a uma única questão: qual é, para ti, o problema mais urgente do nosso tempo?
Esta pergunta ficou a fazer um eco de tal forma ensurdecedor em Stephen Trzeciak, que se obrigou a parar para pensar, ele próprio, qual era o problema mais urgente que gostaria de ajudar a resolver. Deu-se conta de que nunca se tinha posto esta questão e atormentou-se com isso, mas foi salvo por Anthony Mazzarelli, médico de urgências, advogado e bioeticista promovido a diretor do hospital onde trabalhava o colega intensivista Trzeciak. Mazzarelli ficou diretamente responsável pela boa prática clínica de mais de 600 médicos e tinha como objetivo atingir resultados concretos (e lucros financeiros) através da melhoria na experiência de consulta e da relação médico-paciente.
Abreviando a história, Mazzarelli optou por uma gestão menos convencional e chamou ao gabinete o já lendário Stephen Trzeciak, a quem desafiou a comprovar cientificamente a relação entre a verdadeira relação humana e as melhoras dos pacientes. Dito de forma demasiado resumida, foi este o tom da primeira conversa que tiveram.
– Tratar os doentes com mais compaixão importa? Precisamos de dar a isso uma base científica!
Nas palavras do próprio, foi este o desafio e o ponto de partida para os dois anos que se seguiram. Anos de estudo aturado e de revisão sistemática de toda a literatura já publicada, que deram origem ao livro “Compassionomics”, escrito em co-autoria.
– “Does treating patients with more compassion really matter? Does caring make a difference? Does it matter in measurable ways? Put as much scientific rigor to it as you possibly can. I need you to ‘science this up!’”
Ambos despertaram para aquilo que consideraram ser o problema mais urgente do seu tempo, e a ciência da compaixão tornou-se o foco principal da sua vida profissional. Converteu-se numa quase obsessão.
Os dois médicos norte-americanos partiram de uma realidade gritante a que chamaram ‘grave epidemia de falta de compaixão, que infeta todo o sistema de saúde’. A crise de compaixão é viral e alastra por todo o mundo, não está confinada aos sistemas de saúde americanos ou outros. Daí este livro ser essencial nos tempos que correm, seja no universo hospitalar, no mundo corporativo, nas famílias e círculos mais próximos ou, até, nas incontáveis organizações sociais.
A bondade, o amor e o altruísmo são expressões de força. “O amor e a compaixão são necessidades, não são luxos” proclama o Dalai Lama. O problema é que muitos ainda os consideram sinais de fraqueza humana e recusam-se a cultivar uma atitude de empatia e a abertura à compaixão. Apostam mais numa comunicação defensiva e, muitas vezes, despersonalizada, fria e distante. Não sabem que o ‘burnout’ (outra epidemia que ameaça transformar-se em pandemia) aumenta na proporção direta da falta de compaixão.
A comunicação compassiva é sempre necessária e não é negociável em certas profissões, especialmente as que lidam com a vida dos outros, em todas as dimensões, sejam elas morais, emocionais, espirituais, psicológicas ou físicas. Mas de que falamos, quando falamos de compaixão?
Desde logo de uma forma de comunicar que transmita confiança. Tudo se joga na confiança, independentemente das áreas profissionais ou das dimensões relacionais. Ninguém quer fazer negócios com quem não lhe inspira confiança; ninguém quer trabalhar com pessoas em quem não confia; ninguém adere a um tratamento ou segue uma terapia se não confiar no profissional de saúde; ninguém fica tranquilo sabendo que ao seu lado está alguém de quem desconfia e por aí adiante.
Traduzindo a ciência da compaixão para o concreto, e sabendo que se trata de ação e não apenas de empatia e bons sentimentos, é importante saber que a comunicação compassiva é sempre lida pelos outros como sinal de competência. A falta de compaixão tem custos elevados porque gera desconfiança, deixa marcas negativas e afasta as pessoas, sejam clientes, utentes, pacientes ou outros em busca de respostas profissionais ou existenciais.
Estudos de Harvard e Stanford citados pelos autores de “Compassionomics” falam do impacto real e mensurável de uma comunicação calorosa e encorajadora, da importância de estabelecer relações humanas significativas, de criar laços de confiança, de ser capaz de um diálogo olhos nos olhos, de gerar empatia, de uma escuta ativa, de sorrir, manifestar emoções, validar os sentimentos, sofrimentos e necessidades dos outros, enfim de uma linguagem verbal e corporal que transmita segurança e projete confiança.
O contrário da compaixão é a frieza, a distância, o ‘escapismo’. É evitar o outro, passar menos tempo com alguém que está vulnerável, dar menos atenção a quem precisa, não fazer o que está ao nosso alcance para ajudar, para resolver. É não estender a mão, é fecharmo-nos e distanciarmo-nos, na ilusão de que assim ficamos mais protegidos. Ora o que os autores de “Compassionomics” dizem, de forma científica, é que assim ficamos muito mais desprotegidos e vulneráveis à exaustão física e ao colapso emocional.
Concluo a partir de algumas conclusões dos médicos americanos: está provado que a compaixão é o antídoto mais eficaz para o ‘burnout’. Porquê? Porque ajuda a desfocar do próprio, focando em quem podemos ajudar através da nossa presença, das nossas palavras e gestos; porque reforça a resiliência e melhora a nossa capacidade de lidar com a adversidade; e porque até as neurociências demonstraram recentemente o poder da compaixão na ativação da capacidade de sermos mais felizes.
Por tudo isto e muito mais que não cabe numa simples crónica de jornal, apetece concluir fazendo um sublinhado final muito caro aos autores do livro: a comunicação compassiva devia ser, para todos, um ‘no-brainer’.
“Be kind whenever possible. It is always possible” Dalai Lama