Embora exista a tentação, não é possível comparar a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, no Brasil. São realidades sociais, económicas, políticas e institucionais completamente distintas. Porém, podemos elencar alguns pontos em comum: um discurso marcadamente de (extrema) direita – refletindo uma ‘onda conservadora’ que passa também pela Europa – e o papel das redes sociais (no Brasil, o whatsapp) e da imprensa na difusão de ideias, mas principalmente de fake news. No caso da televisão, a Fox News apoiando Trump e a TV Record (da IURD) dando uma grande visibilidade política a Bolsonaro.
Um país marcado pela violência – mais de 60 mil assassinatos por ano -, forte crise económica, elevado endividamento, público e privado, corrupção generalizada e descrédito da classe política, determinaram uma campanha eleitoral caracterizada por uma forte divisão do povo brasileiro – gritos de ódio, ataques violentos, verbais e físicos, incluindo mortes.
A campanha chega ao fim e 147 milhões de brasileiros estão, neste momento, a votar no Brasil e no estrangeiro, nomeadamente Estados Unidos, Japão e Portugal, países onde há uma expressiva comunidade de imigrantes.
Mas, hoje, as duas questões que se impõem e que irão marcar o destino do Brasil são: quem vai ser o novo presidente e, sociologicamente falando, quem vota em quem?
De acordo com as últimas pesquisas efetuadas ontem, pelo Ibope e DataFolha, que resultados e análises possíveis? É (quase) uma certeza: o novo presidente do Brasil será Jair Bolsonaro.
Considerando a sua dimensão geográfica-continental e o processo de colonização (povoamento), não há um só Brasil, mas vários ‘brasis’. Bolsonaro ganha em todas as regiões do Brasil, com maior incidência no centro-oeste e sul. Haddad só ganha o território onde o Lula (o PT) tem ainda uma significativa força política, impulsionada pelo reduto eleitoral do Estado da Bahia.
O fenómeno de votos Bolsonaro empata com Haddad entre os católicos, mas tem uma votação expressiva entre os evangélicos (59%). O apoio de Edir Macedo (líder da IURD e dono da TV Record) e de lideranças das igrejas Assembleias de Deus foram determinantes, ajudado pelo seu discurso conservador, no que se refere ao modelo de família e moralidade sexual.
Considerando a faixa etária, Bolsonaro ganha em todas, à exceção dos jovens com idades entre 16 e 24 anos.
A escolaridade é um fator preponderante: Bolsonaro ganha em todos os níveis de ensino; só perde para quem tem o 1º ciclo (os 4 anos iniciais).
Bolsonaro ganha em todas as faixas de renda; só perde entre os que ganham até dois salários mínimos – reduto exclusivo do PT, por causa das suas políticas de apoio social.
Quanto ao grupo étnico-racial, Bolsonaro ganha entre os brancos (58%), mas obtém 41% entre os negros. Considerando o seu discurso racista, obter 41% de votos dos negros é do ponto de vista da compreensão sociológica um grande desafio.
Bolsonaro ganha entre os homens, mas obtém 41% entre as mulheres. Haddad tem o apoio das mulheres, mas com uma vantagem muito pequena.
Resumindo, Bolsonaro ganha maciçamente em todas as regiões do Brasil e em (quase) todos os segmentos da sociedade: a eleição foi assegurada por homens, brancos, classe média e ricos, com maior escolaridade e evangélicos.
Que Brasil no futuro?
Bolsonaro irá herdar um país fortemente polarizado, dividido entre #elenão e #elesim. Não será fácil governar um país sem um projeto económico de produção (e distribuição) de riqueza e sem um projeto unificador, social e político. Se houver uma radicalização na forma de governar, o país entrará num perigoso caos social. Mas não haverá guerra civil, pois o povo do samba (hoje mais para o chorinho), irá encontrar uma forma de construir um novo projeto de Brasil.
Lembrando Geraldo Vandré, para que os brasileiros não desistam de caminhar: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Professor de Sociologia da Universidade da Beira Interior