Há séculos que os principais problemas de Portugal estão identificados. Vão-se modernizando, é certo, mas as razões parecem manter-se teimosamente inalteradas. Se não quisermos percorrer a longa memória de quase 900 anos, bastar-nos-ia lermos as descrições que Eça de Queiroz fazia no final do Séc. XIX. Ou melhor, a descrição, porque o retrato subjectivo que faz é um todo coerente. E, em muito do que escreve, duradouro. Parece que pouco se alterou até aos dias de hoje. E, ainda que algumas coisas se tenham alterado, os problemas estão todos identificados.
Nisso, a identificar os nossos males e as razões para eles, somos bons. Mas, com a excepção dos poucos momentos que confirmam a regra do tempo restante, faltava-nos então, e falta-nos hoje, dar o passo seguinte: ter a coragem e o arrojo de, sem medo e com ambição de bem fazer, mudar Portugal. Ter a coragem de tudo fazer para implementar as soluções que até conhecemos, para os problemas de sempre, mas que teimosamente mantemos. Ter o assombro de querer acordar este velho povo da sua letargia de séculos. Acordá-lo de vez, e não em repentinos e curtos despertares, para logo voltar a adormecer na sua doce, saudosa, desgraçada e fatal letargia. Foi essa letargia que permitiu que os Filipes por cá estivessem 60 anos. Foi essa letargia que permitiu que os nossos aliados, com Beresford, demorassem a sair de cá depois das invasões napoleónicas. Foi essa letargia que permitiu ao Estado Novo manter-se por mais de 40 anos e por 25 anos recusar ver o futuro ultramarino depois dele. É essa letargia que faz a abstenção atingir os níveis actuais, aliás como sintoma dessa mesma letargia. E, finalmente, é essa letargia que nos leva a não exigir a mudança e a darmo-nos por satisfeitos com o fado desgraçado que temos e é muito nosso!
Ainda assim, felizmente, de tempos a tempos, apesar desta espécie de “laisser faire, laisser passer” à lusitana e mal aplicado, tem havido momentos de vislumbre colectivo da vontade de fazer de uns poucos. E quando coincidem essas vontades, quebra-se o feitiço da letargia e dá-se um salto em frente. É quando Portugal avança. É quando passamos do oito para o oitenta! Do oito do marasmo, ao oitenta do desenvolvimento e da construção ambiciosa de um futuro que se percebe e se vislumbra. Foi assim quando se fez a alegria da primeira AD. Foi assim quando se fizeram as maiorias absolutas do PSD e se firmou um país mais moderno, mais livre e mais democrático, ainda que com erros de percurso. É assim sempre, nos momentos decisivos, em que verdadeiramente é preciso despertar da letargia nacional, de passar do oito da modorra pachorrenta para o oitenta da ambição de bem fazer, que Portugal tem encontrado no PSD o seu instrumento. E é porque tem havido um PSD assim, que o despertar das letargias não se faz ao som dos extremismos e dos assomos messiânicos. Mas, pelo contrário, é quando não há um PSD assim, presente e com a genica e a vontade de reforma, que desgraciadamente (como dizem os nossos vizinhos) voltamos ao oito!
E, por muito que custe, não há agora esse PSD. Um PSD com a pujança de que o país precisa. Um PSD que aponte firmemente a direcção ambiciosa da mudança e da reforma para nos desviarmos dos problemas conhecidos. Um PSD capaz de denunciar os males enquanto oferece as soluções. Um PSD capaz de elevar a vontade colectiva de fazer Portugal dar grandes e decisivos passos em frente. Um PSD que cative, que entusiasme, que aglomere, que ofereça resistência ao que se faz mal (sendo efectiva e exemplar oposição) e caminhos para o bem que se pode e se deve fazer (sendo alternativa credível e ambiciosa para governar).
O que temos é um PSD que se acomodou. Sob falsos pretextos, acantonou-se no desespero do fado nacional. E, com isso, deixou de ser a alternativa por que os Portugueses anseiam quando estão fartos da letargia. Com isso abriu espaço de um lado, para que muitos se mantenham confortáveis no seu estado letárgico, acantonando-se no triste conforto de que, apesar de tudo, a mediocridade do oito lhes dá (o PS). E abriu espaço para que, do outro lado, alguns fossem atrás do canto inevitavelmente mortal da sereia dos extremismos, assim confundindo o oitenta. O PSD que temos sucumbiu à letargia que sempre tentou contrariar.
Por isso, todos os militantes do PSD, de base ou de topo, desta ou daquela facção, com ou sem facção, têm que forçar o partido a retomar o seu caminho. Um caminho que obrigue o PSD a aglomerar os que não mais suportam a letargia. Um caminho que constranja o PSD a portar-se como a oposição que o país merece e espera, e a alternativa viável e ambiciosa de que o país precisa. E o país precisa que o PSD construa um projecto a que orgulhosamente chamemos Portugal. Sem nacionalismos vãos, mas com a vaidade de o fazer para o bem do nosso futuro e o dos nossos filhos e netos.
Para se poder dar a Eça de Queiroz o descanso que a sua razão merece.
Antes que seja tarde demais.