O momento é grave. Qual SARS-CoV a escangalhar os pulmões de um velhinho, Portugal tem, dentro de si, uma quadrilha de vírus que labutam afincadamente para embaraçar o país. Traidores infames conspiram com o intuito de sujar a nossa imagem lá fora, prejudicar o Governo e, até, fazer cair o regime.

Felizmente, temos a liderar-nos um estadista corajoso que não hesitou em denunciar estes pérfidos Migueis de Vasconcelos, numa defenestração televisiva que vai ficar para a história.

Na passada 5ª feira, ao ver António Costa dirigir-se aos jornalistas para falar sobre o caso da nomeação do procurador europeu, denunciando a conjura que pretende mostrar o Governo de Portugal como uma bandalheira, parecia que estava a ouvir Cícero, há mais de 2000 anos, a acusar Catilina de querer derrubar a República Romana.

A fulgurante oratória com que Cícero, no Senado, esmagou Catilina à frente dos seus pares, entre os quais estavam notáveis como César, Crasso, Hortênsio ou Catão, encontrou paralelo na eloquência com que António Costa ralhou com os Catilinas lusos à frente de uma não menos ilustre plateia de jornalistas do Correio da Manhã, da Lusa, da TVI ou do DN. Que nunca esquecerão o que foi dito. Até porque tiveram de transcrever o discurso e isso, tratando-se de Costa, implica ouvi-lo algumas trinta vezes, para conseguir distinguir os conxixutxs dos conxuxixst.

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Até quando enfim, ó Poiares Maduro, ó Rangel, e, numa frente sanitária, ó Baptista Leite, abusarão da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós a vossa loucura? A que extremos se há-de precipitar a audácia sem freio da vossa campanha internacional contra Portugal? Não sentem que os vossos planos estão à vista de todos? Já toda a gente topou que quereis utilizar a presidência portuguesa da UE para nos envergonhar à frente dos parceiros europeus. Aviso-vos: isso abre um precedente gravíssimo que não terá, da nossa parte, a menor complacência! E por isso digo aqui os nomes, porque sei bem quem anda a organizar esta campanha internacional!

Com brilho e autoridade, Costa expôs na Rangelinária (ou será Poiares Madurária?) a torpe urdidura destes traidores que, criticando o Governo (meu Deus, o vilipêndio!) pretendiam enxovalhar a pátria no concerto das nações. Foram descobertos e agora toda a gente fala nisso. É que, se a verve era a de uma oração de Cícero, a convicção foi a de um tuíte de Donald Trump.

Tudo terminaria aqui, com Costa a colher os louros, Poiares e Rangel a serem proscritos e nós, o bom povo português, a descansarmos com a tranquilidade de quem sabe ser bem governado. Sucede que, infelizmente para o nosso Marco Túlio Costa, estes conspiradores são superiores a Catilina. Mais subtis e por isso mais traiçoeiros. Catilina queria impor a força das armas, Poiares e Rangel, ruins, querem expor ao ridículo. Recorrer às armas é maçador, implicou abandonar Roma para se juntar a uma legião que acabaria dizimada. O ridículo é mais fácil, basta estar sossegado e deixar os factos acontecerem. Além disso, o ridículo aleija mais, porque a vítima tem de ficar a assistir ao próprio vexame. Sonsos, Poiares e Rangel deixaram Costa garantir:

O único erro que foi verificado é que, não no CV que serviu de avaliação ao Conselho Europeu para tomar uma decisão final, mas numa carta que capeava o envio dessa documentação, haver dois erros. Um quanto ao nível profissional do magistrado em causa e outro quanto à função que tinha desempenhado em determinado processo, tinha liderado esse processo na fase de investigação ou na fase de julgamento. Ora, qualquer um desses erros é absolutamente irrelevante, irrelevante completamente, para o processo de avaliação.

Como antes, para vermos como são ardilosos, já tinham deixado a Ministra da Justiça afirmar:

Se me dissesse que o julgamento do Conselho tinha sido feito com base nessa nota eu diria que tem inteira razão. Eu admito que essa nota tem um erro, o que lhe digo é que esse erro não é determinante. Porquê? Porque o Conselho da UE obviamente não toma uma decisão com base numa nota dessas.

Hábeis conspiradores, só depois do adversário comprometer a sua posição, jurando que os lapsos eram irrelevantes, é que, em conluio com comparsas jornalistas e funcionários estrangeiros de organismos da UE, fizeram aparecer o documento do Conselho Europeu que confirma que, afinal, as informações falsas da carta foram fundamentais para que a Procuradoria Europeia considerasse José Guerra o melhor candidato e o seleccionasse à frente de Ana Almeida, a escolha inicial.

Isto, sim, é uma conspiração bem feita: além dos traidores, arregimenta jornalistas, magistrados, instituições europeias e a própria realidade, tudo para desacreditar o Governo. Restam a Costa, se quiser salvar a face, duas opções: ou corrige o erro e substitui o procurador, ou confunde ainda mais todas as manobras, de forma a fazer com que seja impossível descobrir que há marosca. Ou seriedade, ou competência. Eu sei, estamos a falar deste Governo, o que torna a escolha uma impossibilidade. É por isso que avanço uma terceira alternativa: processar Poiares Maduro e Rangel. Em princípio, está ganho. Basta, como é óbvio, ter o cuidado de se certificar que o magistrado de serviço tem o nível de qualificações de um José Guerra.

O célebre talento político de Costa, como se vê, é 1% inspiração, 99% conspiração: arranja uma ideia qualquer mal-amanhada e gasta o resto do tempo e da energia a inventar desculpas e responsáveis para ter corrido mal.