Em entrevista a um canal televisivo, acusou-se o dr. Ventura de pertencer à pior cáfila que a humanidade já produziu. Não, não falo de neo-nazis, violadores de criancinhas (olha quem), canibais da Papuásia, acólitos do presidente do Benfica ou apreciadores dos Rádio Macau. Falo dos “negacionistas” da Covid, que ao contrário do que o nome indica não são as pessoas que negam a existência da Covid, mas as que criticam as reacções geradas a propósito, e a despropósito, da Covid. Perante matéria tão delicada, o dr. Ventura rejeitou tudo, e com razão: ao longo de quinze meses, pouco se lhe ouviu sobre os abusos do governo, e nada se lhe ouviu sobre os decorrentes abusos da polícia, que também concorreu com afinco para humilhar os portugueses sob os mais estapafúrdios pretextos. O dr. Ventura, que gosta de ordem e autoridade, está nos antípodas dos que questionam a legitimidade do poder para reprimir os comportamentos triviais dos cidadãos. Não é, portanto, um “negacionista”, apesar dos esforços dos “jornalistas” em identificá-lo com esse medonho epíteto para aumentar a estigmatização do Chega.

Confesso que as opiniões do dr. Ventura não me interessam. A atitude dos “jornalistas”, sim. Desde o início da epidemia que esta classe profissional adoptou, com uma cegueira que salvo o erro não vem nos respectivos estatutos, a defesa incondicional de tudo o que o governo diz e faz. Não se trata apenas de falta de escrutínio ou excesso de subserviência, características que só por si transformam o jornalismo autêntico numa fonte de chacota. Talvez movida pelos subsídios recebidos ou pelos subsídios que esperam receber, talvez por pavor da irrelevância que se avizinha, ou talvez por genuína idiotia, a vasta maioria dos “jornalistas” decidiu funcionar assumidamente como extensão dos serviços governamentais e, entre outras proezas, reproduzir com indisfarçado entusiasmo as mentiras oficiais, desvalorizar os crimes oficiosos, colaborar na denúncia de “ilegalidades” e dar voz a “especialistas” especializados em não dar uma para a caixa, na verdade pantomineiros que descobriram na Covid um veículo para a relevância. A ridicularização dos “negacionistas”, comparando-os aos chalupas da Terra plana, integra o estratagema. Sem tirar nem pôr: quem acha grotesca a histeria da Covid acredita inevitavelmente que o planeta termina nas bordas. Meus caros “jornalistas”, vocês acreditam no “especialista” Carlos Antunes.

Por razões distintas e discutíveis, o objectivo dos “media” e, convenhamos, quase geral é a perpetuação do medo. Donde o horror aos “negacionistas”, indivíduos que por leituras ou intuição desconfiam que o medo é o melhor caminho para manter uma sociedade apática face à sua destruição. Há séculos que se subjugam massas pelo medo, e há pelo menos um quarto de século que se ensaiava a subjugação das massas, que décadas de paz e prosperidade tornaram crescentemente avessas ao risco, por este exato tipo de medo sanitário. As primeiras tentativas, da gripe suína à gripe das aves, falharam por inoperância dos próprios vírus. Depois, arriscou-se mudar de estratégia e abraçar a ameaça climática, a qual, à semelhança de diversos apocalipses, falhou sempre que passava a data prevista para o fim do mundo e o mundo não findava. A Covid realizou os sonhos húmidos da indústria dos cataclismos, na medida em que permitiu somar aos efeitos de uma doença real os perigos de uma devastação imaginária. Ao invés da Gripe de Hong-Kong, que no ano em que nasci matou perto de 4 milhões sem fechar lojas nem deixar memória, a Covid foi a maleita certa no tempo certo. E com os alvos certos.

Pelo Ocidente afora, a coisa correu bem. Em Portugal, dada a vocação dos nativos para a obediência e a exibição de virtude, a coisa correu maravilhosamente. Por tradição de pobreza e dependência, os portugueses não só engolem com prazer regras sem nexo: têm um prazer ainda maior em condenar os infiéis. É graças a isso que, aqui, o sucesso das restrições à liberdade não se limitou ao período em que a Covid matava, mas continua numa fase em que a Covid deixou de matar. Em países normalzinhos, a propagação da imunidade e a progressão das vacinas são vitórias que se anunciam e festejam. Por cá, são pormenores desprezíveis: a vacina, avisam os profetas, não dispensa a cautela. Cautela significa “distanciamento social”, testes em barda, babugem nas mãos, negócios falidos, hospitais sequestrados, velhos abandonados e, claro, as vergonhosas máscaras, cuja inutilidade o famoso dr. Fauci afinal sempre admitiu em privado. O absurdo chegou a tal ponto que os poderes públicos que promovem a vacinação promovem em simultâneo a desvalorização das vacinas com o zelo dos movimentos “anti vaxxers”.

Nas regras “contra” a Covid, aliás, o absurdo é a regra. Eu podia encher trinta e cinco crónicas com exemplos da loucura instalada. As opções sensatas não encheriam um parágrafo pequenino. Nem toco na hilariante converseta do “R(t)”, que procura suprir a escassez de internados e falecidos. A lengalenga do “É preciso ganhar o Natal/a Páscoa/o Verão/a Ovibeja de 2034” e o refrão “As próximas duas ou três semanas serão decisivas” deveriam bastar para que um adulto sem perturbações mentais percebesse o prodigioso ridículo disto. Infelizmente, não bastam. O medo, a obediência e a exibição de virtude mantêm-se, à revelia das evidências e em prol da precaução. Ai, a precaução. A precaução teria evitado centenas de milhares de mortos em acidentes rodoviários: bastava nunca ter permitido a circulação de carros nas estradas nacionais. E evitado largos milhões de mortos em fatalidades diversas: bastava ter abolido a procriação. Hoje, inúmeros portugueses que não podem abdicar de ter nascido resolveram abdicar de viver. E aos raros compatriotas que não estão para isso chamam-lhes “negacionistas”.

Por mim, enfio a carapuça. Por um lado, é menos embaraçosa que a máscara. Por outro, separa-me da demência colectiva em que caímos, e permite-me levar os dias de acordo com os factos: nas estatísticas que contam, a Covid já não conta. Ou não conta mais do que os incontáveis riscos que corremos se insistirmos em ser adultos. Se a responsabilidade e a autonomia são “negacionismo”, sou “negacionista”. A alternativa é ser tonto. Ou oportunista. O dr. Ventura, os demais políticos, os “jornalistas”, os “especialistas” e restantes “covidistas” que escolham.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR