A maioria das análises realizadas às últimas autárquicas focou-se — compreensivelmente — nos bons resultados obtidos pelo PSD e, em especial, na inesperada e importante vitória em Lisboa, uma aposta ganha por parte de Rui Rio que simultaneamente projecta Carlos Moedas como uma figura incontornável para o futuro do partido e do país. Foram também significativas as vitórias do PSD no Funchal, em Coimbra e em Portalegre, assim como o recuo do PS em termos de número de autarquias e de total de votos, ainda que deva ser realçado que os socialistas continuam a controlar um maior número de autarquias a nível nacional (o critério tradicionalmente mais empregue para aferir quem “venceu” as eleições autárquicas em Portugal).
Num segundo plano, mereceu também alguma atenção a continuação do enfraquecimento autárquico da CDU. Apesar de continuarem a ser claramente a terceira força política nacional a nível autárquico, os comunistas perderam votos, mandatos e não só falharam o objectivo de recuperar o terreno perdido em 2017 como somaram perdas adicionais, com destaque para Loures.
Há no entanto uma outra dimensão das recentes eleições autárquicas que justifica atenção e análise mais aprofundada: os resultados do Chega. Na estreia do partido em autárquicas, o Chega ficou, como era expectável, bastante aquém do meio milhão de votos conseguidos por André Ventura nas eleições presidenciais. O Chega falhou também no objectivo de eleger um vereador em Lisboa, onde a fraca preparação do candidato apresentado e algum voto útil à direita em Moedas terão inviabilizado essa eleição (ainda assim, por uma margem relativamente pequena).
Mas é também verdade que o Chega consegue uma implantação territorial e um resultado global a nível nacional impressionantes, considerando que se trata de uma estreia num sistema partidário consolidado e habitualmente muito resistente à mudança como o português. O Chega obteve mais de 200 mil votos e superou os 4% o que compara, considerando apenas candidaturas sem ser em coligação, com 2,75% do BE, 1,50% do CDS, 1,30% da IL e 1,14% do PAN. É certo que a existência de múltiplas coligações não permite uma comparação directa (em especial com o CDS) mas não deixa de ser um indicador relevante que tenha havido mais eleitores a votar em candidaturas do Chega do que em qualquer um desses outros partidos individualmente considerados (e quase três vezes mais eleitores a votar no Chega do que em candidaturas individuais do CDS).
Também a nível de mandatos, os resultados da estreia autárquica do Chega foram notáveis: 19 vereadores eleitos e 173 deputados municipais. A título de comparação, nestas eleições o BE conseguiu fazer eleger apenas 4 vereadores e 94 deputados municipais, apesar de ter já mais de duas décadas de existência e estruturas bem mais consolidadas do que as do Chega. A comparação entre o desempenho do novo partido da direita radical e o BE é ainda mais flagrante se recuarmos a 2001: nas suas primeiras eleições autárquicas, o então novo partido de esquerda radical não foi além dos 1,18%, menos de um terço do resultado obtido vinte anos depois pelo Chega na sua estreia.
É também relevante notar que, em muitas circunstâncias em que Chega e CDS foram a votos sozinhos, o Chega levou ampla vantagem, uma realidade aliás já salientada publicamente por destacadas figuras do próprio CDS. Se somarmos a esse dado vários desempenhos assinaláveis do Chega mesmo quando comparado com o PSD, deve ser pelo menos colocada a hipótese de as autárquicas de 2021 poderem sinalizar uma recomposição da direita portuguesa.
A fraca preparação de muitos candidatos autárquicos do Chega foi também uma realidade inegável, ainda que seja justo reconhecer que o grau de escrutínio mediático aplicado aos candidatos do partido de André Ventura superou o aplicado a todos os outros. Por outro lado, considerando as dificuldades de recrutamento e a fraca preparação de muitos dos seus candidatos, os resultados obtidos pelo Chega tornam-se ainda mais (e não menos) dignos de nota.
Realçados os pontos fortes dos resultados do Chega, deve também ser assinalado que a principal fraqueza do partido subsiste. Continua a tratar-se em larga medida de um partido com imagem unipessoal (os cartazes espalhados por todo o país com Ventura omnipresente ao lado de todos os candidatos locais do Chega comprovam-no) e as dificuldades no recrutamento de quadros partidários qualificados persistem.
A evolução dos resultados eleitorais do Chega desde 2019, assim como as sondagens e o panorama europeu, sugerem que o partido de André Ventura se posiciona num segmento eleitoral com grande potencial de crescimento, como aliás era possível antecipar logo em 2019. Se conseguirá aproveitar esse potencial e consolidar-se no sistema partidário português dependerá em grande medida do que acontecer nas próximas legislativas.
P.S.: Retomo com este artigo a minha colaboração regular com o Observador, agora às quartas e com periodicidade quinzenal. Depois de ter sido colunista desde o lançamento do Observador em 2014 até ter assumido responsabilidades em 2017 como Director do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica, e de outras responsabilidades terem adiado esse regresso, mesmo depois de ter deixado esse cargo em 2019, é com muito gosto que volto a colaborar regularmente. Um agradecimento especial é devido a José Manuel Fernandes, que desde 2017 nunca perdeu uma oportunidade para gentilmente me encorajar a regressar.