A crise bancária que atingiu três bancos americanos e o gigante Credit Suisse nas últimas semanas está a motivar comparações com a crise financeira internacional de 2008. Será que a história se vai repetir? A história nunca se repete. O mundo muda e muda sempre de forma diferente e, por isso, não devemos esperar a repetição de crises. Continuaremos a ter crises, mas serão sempre diferentes. Mas, ainda assim, podemos sempre aprender com as crises passadas. Como terá dito Mark Twain, a história não se repete, mas muitas vezes rima.

Os economistas são famosos pelas suas falhas nas previsões. A este propósito, a rainha de Inglaterra Isabel II, numa visita à London School of Economics em 2008, embaraçou a comunidade académica quando se referiu à gravidade da crise financeira internacional e lançou a pergunta: por que é que ninguém previu isto? A pergunta teve tamanho eco que a British Academy se sentiu na obrigação de dar uma resposta formal a Sua Majestade. Nessa breve resposta começava por salientar que muitos economistas previram a crise. De facto, muitos economistas, antes do Verão de 2007, quando os primeiros sinais da crise financeira internacional se tornaram visíveis, tinham já alertado para a gravidade dos desequilíbrios que existiam nos mercados financeiros, no mercado da habitação e na economia global. Os desequilíbrios externos, que levariam nos anos seguintes à crise do euro, tinham atingido valores recorde. No entanto, os economistas discordavam em relação à forma como esses desequilíbrios iriam ser corrigidos. Na perspetiva otimista, o ajustamento tomaria a forma benigna, isto é, seguiria o padrão das crises das três décadas anteriores em que tivemos recessões curtas ou apenas uma desaceleração da economia. Na perspetiva pessimista, a magnitude dos desequilíbrios, a interdependência e a complexidade das economias era de tal ordem que dificilmente o ajustamento da economia poderia ser feito sem uma crise grave e com repercussões imprevisíveis. Neste livro, nas páginas 16 e 17, conto uma dessas discussões a que assisti no Verão de 2006. A discórdia entre os dois grupos ilustra um dos mais antigos pontos de discordância entre economistas: o da estabilidade e da instabilidade das economias de mercado e da sua capacidade para autocorrigirem os desequilíbrios. A visão que prevaleceu foi a dos economistas otimistas e, assim, os decisores de política económica esperaram um ajustamento suave e benigno. Essa visão era sustentada na crença na racionalidade do sistema financeiro, que era gerido por uma elite sofisticada, que jamais poria em causa o valor dos ativos dos seus acionistas. A crise financeira internacional foi a crise mais grave desde a Grande Depressão e obrigou os Estados a tomarem medidas de apoio à economia inéditas na forma e na escala.

O contexto é hoje muito diferente daquele que caracterizava a economia mundial na altura em que eclodiu a crise financeira internacional. A crise financeira internacional ocorreu após um período de mais de duas décadas de grande estabilidade macroeconómica, com recessões pouco frequentes, de curta duração e pouco severas, que favoreceu a afirmação da perspetiva otimista descrita acima e um sentimento de excesso de confiança em relação à capacidade de as economias enfrentarem choques. Este período ficou conhecido como a ‘Grande Moderação’. Foi um período de forte crescimento da economia mundial, arrastado pela globalização e pela revolução das tecnologias da informação e comunicação. Desde a crise financeira internacional, o ritmo de crescimento das economias e do comércio internacional abrandou, e as crises, com múltiplas origens, sucederam-se. Adam Tooze, o historiador económico inglês, recuperou o conceito de ‘policrises’, criado por Edgar Morin, para caracterizar os tempos que vivemos. Neste contexto, é ainda mais difícil compreendermos os efeitos da falência de bancos.

Os bancos centrais tornaram-se os principais agentes de política económica com a crise financeira internacional. As políticas monetárias não convencionais (e.g., quantitative easing), com a compra maciça de ativos, foram importantes para garantir a liquidez, a solvência de sistemas financeiros e a sustentabilidade da dívida pública de países da Área do Euro, como Portugal. Estas políticas contribuíram para as baixas taxas de juro, que em muitos casos se tornaram negativas durante longos períodos. As baixas taxas de juro fomentam a acumulação de desequilíbrios nas economias, nomeadamente o excesso de endividamento e o financiamento de investimentos com baixas rendibilidades. A falência do Silicon Valley Bank é um exemplo dos desequilíbrios alimentados pelas baixas taxas de juro. Com o acesso fácil a financiamento de capital de risco as startups acumularam liquidez no SVB, que este investiu em obrigações do tesouro americano. Com a subida das taxas de juro, as startups começaram a levantar os depósitos e o valor das obrigações começou a cair pondo em causa a capacidade de o banco cumprir as suas responsabilidades para com as depositantes. Perante esse receio, as startups correram ao SVB para levantar os seus depósitos, cujo valor só estava seguro até aos 250 mil dólares.

No atual contexto, uma nova crise financeira pode ser muito difícil de enfrentar pelas razões que Kenneth Rogoff, professor na Universidade de Harvard e coautor de uma história financeira dos últimos oito séculos, elencou num artigo no Financial Times. Em primeiro lugar, hoje, os bancos centrais combatem o mais grave surto inflacionista desde a década de 80. Como se viu na decisão do BCE da semana passada, em que vários membros do conselho votaram contra o aumento da taxa de juro em 50 pontos base, os bancos centrais enfrentam o dilema entre o combate à inflação e os riscos de agravar a instabilidade no sistema financeiro. Em segundo lugar, os governos têm hoje níveis recorde de dívida pública, superior a 100% do PIB em muitas economias avançadas, que torna mais imprevisível os efeitos de choques na economia. Em terceiro lugar, outros fatores vão pressionar à subida das taxas de inflação e de juros, nomeadamente os grandes investimentos a nível global na transição energética e na defesa. Em quarto lugar, desta vez a economia global não poderá contar com o motor da China que se encontra a digerir as suas dores de crescimento, com taxas de crescimento muito abaixo da média de 10% anual entre 1980 e 2008. Finalmente, a invasão da Ucrânia pela Rússia e o conflito latente na Ásia entre os Estados Unidos e os seus aliados do Pacífico são um fator de incerteza adicional na economia global.

Os riscos que levaram à crise financeira internacional de 2008 foram mitigados. No entanto, a resposta dos bancos centrais à crise resultou em taxas de juro muito baixas ou negativas durante um longo período, que incentivou o endividamento e investimentos de baixa rendibilidade. As decisões dos Estados e de muitos investidores privados assentaram no pressuposto de que as taxas de juro se manteriam baixas por muito tempo. Num contexto inflacionista e de subida das taxas de juro há muita incerteza em relação à forma como serão corrigidos os desequilíbrios criados pelas baixas taxas de juro. É urgente identificar esses desequilíbrios e atuar preventivamente. A complexidade das economias e a sua interdependência é de tal ordem que o ajustamento pode não ser benigno.

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