Faz hoje uma semana que Qassem Soleimani morreu num ataque norte-americano em Bagdade.

Desde então, Emmanuel Macron telefonou a Vladimir Putin, o Iraque pediu a retirada dos Estados Unidos do seu território, a China ofereceu apoio militar ao Iraque (para preencher esse território), a NATO suspendeu operações e iniciou um processo de retirada, a Europa apelou a uma ‘descalada’ de tensões, o Irão disparou 22 mísseis balísticos contra bases americanas (sem qualquer baixa), Donald Trump mostrou-se disponível para uma “paz com todos os que a procurarem” e um avião com 138 passageiros (iranianos, canadianos, ucranianos, suecos, afegãos, alemães e britânicos) foi acidentalmente abatido em Teerão.

A soma destes acontecimentos não tem uma conclusão única. São mais as questões que levantam do que as respostas que fornecem. Em Portugal, nos últimos sete dias, olhou-se para a morte de Soleimani como o início de uma escalada de violência no Médio Oriente e não como uma tentativa de travar essa escalada. O Irão ter anteriormente destruído infra-estruturas militares americanas, atacado os seus aliados regionais e orquestrado um bombardeamento de 32 rockets a uma embaixada (com uma baixa mortal) foi menos referido.

Podendo discordar da opção escolhida como travão pelos Estados Unidos da América – assassinar a segunda figura mais poderosa do Irão –, só se poderá justificar devidamente essa discórdia olhando para os efeitos da opção.

O facto de Soleimani ter perdido a vida fora das fronteiras do seu país – isto é, o facto de o ataque americano não ter violado a soberania do Irão – é relevante. O Irão ter informado antecipadamente quais os alvos da sua “retaliação proporcional” também.

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Em 2017, Trump já demonstrara que a sua presidência não mostraria qualquer tolerância à violação de linhas vermelhas. Quando Assad quebrou o compromisso de não atacar quimicamente a sua população, os EUA lançaram 59 mísseis contra uma base aérea síria. O assassinato de Qassem Soleimani foi uma nova demonstração de força perante uma nova linha vermelha ultrapassada: a perda de vida americana no ataque a uma embaixada.

Em 2011, a União Europeia condenou Soleimani pelo seu apoio a Bashar Al Assad, cujo regime matou milhares de sírios. Nesse mesmo ano, a Casa Branca de Barack Obama condenou também Soleimani, considerando-o um “terrorista global”. Trump, apesar de cético de intervenções no Médio Oriente, mantém uma política de reação imediata a quem viola linhas vermelhas como as já referidas neste texto.

O desafio dos Estados Unidos, agora, passa por conciliar a manutenção das suas linhas vermelhas com as dos seus aliados. A queda do avião ucraniano em Teerão – e a consequente morte de dezenas de cidadãos canadianos – é um exemplo claro desse desafio.

Se os custos da ‘descalada’ causarem a perpetuação de uma situação de crise – na qual acidentes como os de Teerão são de repetição provável –, Washington precisará de manter as melhores relações possíveis com os seus aliados. Tal requer sentido de Estado, institucionalismo, previsibilidade e diplomacia. Donald Trump, infelizmente, tem muito pouco desses sentidos.