Às vezes, o Mundo parece estar melhor. Há mais democracias do que há 100 anos, mais pessoas vêem reconhecidos os seus direitos fundamentais, o número de seres humanos a viver em pobreza extrema diminuiu, sendo de 705 milhões em 2015 (era de 2,2 mil milhões em 1970). E se há guerras, pelo menos não são globais, nem tão mortíferas como foram as duas grandes guerras do século passado.
Claro que o número, ou pelo menos a qualidade, das democracias, pode estar a diminuir (veja-se a minha crónica precedente). Os direitos fundamentais continuam a ser espezinhados um pouco pelos 5 continentes, com destaque para África, Ásia, América Latina, mas também a Europa: uma passagem pelo sítio Internet do “Human Rights Watch” chega para nos apercebermos da geografia da violência, repressão e medo. A pobreza extrema afecta quem tem menos de 1,25 dólares diários (1,18 euros), de acordo com a definição do Banco Mundial, isto é, todos quantos (sobre)vivem com menos de 35 euros por mês! Subindo a fasquia para 2,5 dólares/dia, o número chega aos 3 mil milhões! E se é certo que não assistimos a nenhum conflito com a dimensão das Grandes Guerras também é verdade que eles continuam a eclodir um pouco por todo o Mundo e que nada nos assegura estarmos livres deles para sempre.
E depois, há as Mulheres. A violência contra as Mulheres, física, sexual, moral. O Sexismo na linguagem e nos gestos. A discriminação no trabalho, na remuneração, no dia a dia. Que abrandam, ou que parece que abrandam, mas não desaparecem. Surpreendente é que, em pleno século XXI e no Ocidente (alhures é outra história), ainda haja políticos que dizem: “As mulheres são mais pequenas, mais fracas e menos inteligentes” do que os homens e, por isso, “devem ganhar menos”. As palavras são de Janusz Korwin-Mikke, do partido polaco de extrema-direita Coalition for the Renewal of the Republic – Liberty and Hope.
Dirão alguns leitores que o melhor é não ligar, porque ninguém com senso no ano de 2017 acredita que as mulheres devam ganhar menos do que os homens. Claro, ninguém acredita nisso. Mas a verdade é que ganham mesmo menos. Nos Estados Unidos, por exemplo, ganham menos 20% do que os homens. Na União Europeia a média de retribuição das mulheres é em média inferior em 16,7% à dos homens; em Portugal, a diferença varia entre 5,6 e 21,3% conforme o escalão etária seja entre os 25 e os 34 ou entre os 45 e os 54 anos. Quanto mais avançam na idade, menos ganham as mulheres; será porque, com a idade, se tornam “mais pequenas, mais fracas e menos inteligentes”?
Claro que não. Longe vai o tempo em que Schopenauer dizia, a respeito do género feminino, que as mulheres eram um espelho a imitar a profundidade. Ainda mais longe o de Séneca, para quem a mulher era um “animal impudens” (animal impudente). As mulheres, hoje em dia, têm os mesmos direitos dos homens, vivem como eles, com acesso aos mesmos privilégios, sujeitas aos mesmos deveres e em tudo seus iguais; para toda a gente, claro, menos para o deputado de extrema-direita Korwin-Mikke.
Certo? Bom, talvez não. É que, a crer num estudo que recomendo (embora seja de 2008) da Comissão europeia, as mulheres empregadas concentram-se num número de ocupações mais limitado do que os homens (em 2005, na UE, 36% trabalhavam em 6 das 130 categorias ocupacionais, contra 25% no caso dos homens). Apenas um terço dos homens (35%) continuava a trabalhar no grupo etário entre 60 e 64 anos, mas a percentagem baixava muito no caso das mulheres: 20%, uma em cada cinco! Em média, elas passam mais 1 hora e 40 minutos em actividades domésticas do que os homens. E ocupam uma percentagem ínfima dos cargos dirigentes das empresas: em Portugal em 2015, nas 500 maiores empresas, as mulheres eram 44% dos empregados, mas só 19% assumia funções de direção executiva, 11% de gestão e 4% de topo. Só 20 dessas 500 empresas eram pois lideradas por mulheres.
Os exemplos podiam multiplicar-se, mas seria aborrecido para os leitores e leitores aborrecidos tornam qualquer cronista desinteressante. E estou certo, como os leitores estarão, que afirmações como a do eurodeputado da extrema-direita polaca não passam de serôdias manifestações de pequenez intelectual . É certo que Janusz Korwin-Mikke tem razão quando diz que as mulheres são mais pequenas e fracas do que os homens; trata-se de uma questão de morfologia, genética e natureza humana. São-no em média, tal como eu sou muito mais alto do que a maior parte dos meus compatriotas e não é por isso que devo ganhar mais.
A parte delicada da sua afirmação está pois contida na ideia de que as mulheres são menos inteligentes do que os homens. Elas, disse ele, não constam da lista dos 100 maiores xadrezistas mundiais; parece que é verdade. Mas porque será? Uma das explicações talvez seja simplesmente o estereótipo social e a educação, que incentivam as meninas a brincar com bonecas e os rapazes a jogar à bola… e ao xadrez. Mas também é verdade que Judit Polgar, considerada a maior enxadrista de todos os tempos, chegou a vencer Kasparov em 2002.
As mulheres devem ganhar menos porque são inferiores os homens, é no fundo o que diz Janusz da extrema-direita polaca, e todos os Janusz de todas as extremas-direitas do Mundo. E se calhar é por isso, porque eles dizem que são inferiores, que é sobre elas exercida a maior dose de violência, a violência que dói, a violência que humilha, que pode levar à morte, nos grandes conflitos como entre quatro paredes. A OMS refere que 1 em cada 3 mulheres no Mundo sofreu nalgum momento violência física e/ou sexual.
E não podemos esquecer os locais do Mundo em que, sob pretextos religiosos, as mulheres são tratadas de facto como seres inferiores, obrigadas a usar roupas que as tornam invisíveis, impedidas de guiar ou exercer profissões, confinadas ao lar ou maltratadas com impunidade. É por existirem esses locais e essa moral, que o estereótipo brandido pelo deputado polaco é tão perigoso. Ele pode ser usado para sancionar a desigualdade das mulheres face aos homens.
O dia 8 de Março é o Dia Internacional da Mulher. Um dia em que lembramos aos nossos filhos que a vida humana tem toda o mesmo valor, seja qual for o nosso género, idade, etnia, condição social ou física. Comemoro o dia 8 de Março com esta crónica, pelo reconhecimento de que há, ainda há, um problema e que esse problema também é nosso.