Sr. Primeiro-Ministro, enquanto consultor financeiro e fiscal, todos os dias trabalho com empresas. Fui, por isso, especial interessado em ir analisando todas as medidas que foram sendo lançadas pelo seu executivo nos últimos dias. Confesso que fui esperando que lançasse algo novo a cada dia que passava. Já não ficaria triste se tivesse efetivamente lançado algo palpável, porque, se bem entendi e a favor da verdade, não lançou nada de que se deva orgulhar até então.
Não vou serpentear assuntos, nem usar a estatística de uma forma que me beneficie (até porque nisso perderia contra a experiência do seu executivo). Emito, antes, um artigo simples e às claras, colocando-lhe algumas questões, se assim me permitir – e estou em crer que permitirá; acredito, igualmente, é que ficarei sem respostas.
Se bem se recorda, os contribuintes portugueses contam com a maior carga fiscal de sempre. Se somar os pesadíssimos impostos ao rendimento à enormidade de impostos indiretos, então estamos perante uma atrocidade tamanha. Mas o que mais me custa não é deixar, todos os meses, mais de metade dos meus rendimentos entregues ao Estado. É, sim, fazê-lo a troco de nada!
Ainda esta semana contribuí, juntamente com tantos outros portugueses, para uma campanha de angariação de fundos para se obterem receitas para comprar máscaras, ventiladores e outros materiais de resposta básicos que o Serviço Nacional de Saúde não consegue conceder aos profissionais de saúde (tremendamente mal pagos) do meu país. Eu, que sou taxado com uma brutalidade de impostos, vejo-me ainda obrigado a ter de ajudar a pagar estes materiais elementares, porque o Estado do meu país está mais preocupado com metas irreais.
As empresas – o pulmão de todo e qualquer país – terão de fechar, por uma questão impreterível de saúde pública. Não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo. E aqui entra em cena o Governo do meu país com algumas medidas pseudo-inovadoras.
Vamos por partes, Sr. Primeiro-Ministro: conceder às empresas o adiamento do pagamento de impostos imediatos, dando-lhes a “regalia” de os poder pagar no curto prazo e com juros de mora (endividamento) não é nenhuma regalia. É esmagar as empresas, por uma razão muito simples: quando tudo normalizar, algures no tempo, as entidades não vão faturar, até ao final do ano, pelos meses que ainda virão e por aqueles em que estiveram fechadas. Com o país parado atualmente e o otimismo dos consumidores trucidado durante meses a fio, percebe-se que a grande maioria das empresas irá reduzir enormemente as suas receitas nesta fase e irá reduzi-las sobremaneira quando tudo já estiver medianamente regularizado.
Continuando, Sr. Primeiro-Ministro: permitir um «lay-off simplificado» às empresas que consiste num apoio da Segurança Social àquelas entidades que tenham reduzido (face ao período homólogo) em quase metade as suas vendas nos 60 dias anteriores ao pedido de auxílio é tudo menos lógico – e simplificado! Então, se tiver entendido (e, infelizmente, entendi), cada empresa terá de esperar por se “afundar” dois meses e, depois de estar no fundo, ir adiantando na íntegra os salários de todos os colaboradores durante mais uns meses, confiando que algures no tempo poderá vir a ser reembolsada? Então questiono-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: neste processo, que poderá chegar a meio ano, as empresas pagarão salários a dezenas ou centenas de colaboradores com que tesouraria, se não faturam?
Sr. Primeiro-Ministro, a maior carga fiscal de sempre não pode simplesmente servir para egos e bandeiras partidárias, como o bonito e inútil superavit, até porque já nem esse teremos. Já que pagamos um preço demasiado alto para viver neste país, então que o dinheiro público seja utilizado para manter o emprego privado, tal como serve (sem questionamento da parte de alguém) para manter o emprego público. Por que razão as empresas e os contribuintes que pagam, com os seus impostos, o salário dos funcionários públicos são menos relevantes que estes? Não se esqueça, também, que, caso falhe nesta missão primária, só terá uma mais difícil posteriormente: pesadíssimos encargos com os subsídios de desemprego. Na verdade, não terá uma missão mais difícil. Eu e todos os contribuintes é que teremos, porque os subsídios de desemprego pagar-se-ão também com os nossos impostos, para não variar por questões de coerência.
Falemos, agora, das cómicas linhas de crédito (in)disponíveis: o Governo exige às empresas nacionais que, de forma cumulativa, demonstrem rácios de solvabilidade, detenham as contas referentes ao ano passado fechadas (uma miragem para esta fase do ano, quando quase todas as empresas só começam a fechar contas em finais de Março) e declarem ter sofrido perdas percentualmente elevadas (face ao período homólogo). Em conclusão: o objetivo é simplificar, realmente, ou antes conduzir uma porção das empresas nacionais à falência?
É absolutamente fulcral que o acesso às linhas de crédito empresariais seja tratado como se fosse um empréstimo estatal, senão não fará sentido o montante injetado pelo BCE. Se assim não for (e se os bancos utilizarem dinheiro europeu para o lançamento de mais um negócio rentável), a banca poderá ser acusada – e justamente – de uma tremenda imoralidade. Lembremo-nos que o BCE injetará liquidez no sistema financeiro europeu a taxas negativas, via entidades bancárias, com o propósito de que esta liquidez chegue às empresas e a favor de toda a sociedade; e não a pretexto de criar um produto financeiro com taxas indecentes e que, no longo prazo, piorará a tesouraria das empresas.
Em suma, Sr. Primeiro-Ministro, urge implementar medidas que realmente ajudem quem o ajuda em todos os momentos: as empresas e os contribuintes nacionais. Lancemos medidas, sobretudo, eficientes, céleres e libertas do “cancro” que são a burocracia e o sem número de cláusulas de elegibilidade. Já chega tentarmos tapar o sol com uma peneira, acreditando que ainda possamos passar “meio-intactos” a esta crise. Veja, Dr. António Costa, o seu homólogo Boris Johnson, por exemplo, garantirá 80% dos salários dos cidadãos britânicos (com uma carga salarial muito superior à nossa) e abdicou do IVA até ao final do ano. Acha mesmo que o seu executivo está a ser bondoso com os seus cidadãos?
Uma instabilidade nacional será inevitável, uma vez que nos inserimos num mercado dinâmico assoberbado por uma crise sistémica. Para além disso, Portugal – e não só – é uma árvore que, sozinha, não forma um pomar, na ordem universal das coisas. Assim, e caso o Sr. Primeiro-Ministro não considerar o que lhe escrevo, terei de dar razão ao Financial Times quando indica que «quando o coronavírus desaparecer, será quando o problema irá começar».