O “segredo” da governação de Costa pode resumir-se simplesmente no singelo título desta crónica.

Numa entrevista que li recentemente com o psiquiatra Enrique Rojas, na revista “Visão”, o reputado médico e escritor Espanhol dá a sua receita para a felicidade, indicando que, para quem presta mais atenção ao passado, “a felicidade é ter boa saúde e má memória”; para quem olha mais para o futuro, “a felicidade é ter ilusões”.

Nestes dois meses de “Portugal a banhos”, Costa e companhia vão manter o registo e trabalhar com afinco na nossa felicidade colectiva. O povo apanha sol, aumenta a vitamina D e fica de boa saúde, os banhos ajudam a esquecer as amarguras e as sestas pós-prandiais reavivam sonhos de glória e abundância.

1. O País está de boa saúde, claro! Alguém se atreve a duvidar?

O Serviço Nacional de Saúde (a nova “paixão” Guterrista de Costa) é um bom exemplo. E a motosserra de Costa garante que este ano não há incêndios. Claro que há uns autarcas preguiçosos e maledicentes, umas populações distraídas e uns bombeiros incompetentes. Mas para esses chama-se o Cabrita – que distribui vergastadas, receoso de que a responsabilidade pelos incêndios seja imputada a Sua-Sacrossanta-Excelência-Imune, o Primeiro-Ministro – recorrendo, como em Mação, a ataques ad hominem, pois o autarca local ignora que o Governo está ao abrigo e acima de qualquer crítica.

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2. A memória (ou melhor, a ausência dela) está bem visível, como sempre. Basta olhar para os cartazes de pré-campanha do PS que aclamam o “Líder Supremo Costa” por ter cumprido promessas várias na Saúde, Educação, etc. São cartazes irónicos ou mesmo insultuosos para os Portugueses que se lembram do que desesperaram esperando por consultas e cirurgias como nunca; que estiveram em filas intermináveis para obter o cartão de cidadão; ou que viajaram nos comboios da CP entretidos a contar as peças que caíam em cada viagem.

3. E as ilusões também não faltam. Com Costa a governar em regime de maioria absoluta, tudo vai ser possível. É isso mesmo – quando viermos de férias, não esperamos nada menos do que o anúncio bombástico de que o Governo pretende, depois de Centeno no FMI, colocar Marcelo na lua! Assim sugeriu o “Inimigo Público” e assim espero que se revele o volte-face de António Costa em direcção às legislativas. Que seja um arrepiar de caminho ambicioso, divertido, cor-de-rosa e grandioso, para desfazer de vez o marasmo, o pântano cinzento da modorra estival, e que se ilumine gloriosamente o seu sorriso optimista.

Há muito tempo que não se assistia a ciclos tão longos de governação desprovidos de ideias, de estratégias e de conteúdos (com a concorrência feroz, sejamos justos, do espectáculo que decorre no PSD, onde um Rio inspirado nas práticas estalinistas desespera, de borracha em punho, a apagar os registos de qualquer vestígio de resistência, ideias, competência ou desafio).

Só se vê táctica, forma, mais táctica e mais forma. Ah, claro, e impostos.

Não se ouve um plano, não se conhece um pensamento, não se vislumbra um destino. Conhecem-se, isso sim, nomes e lugares – o Eurogrupo, o FMI, a Comissão, you name it. Vislumbram-se, é evidente, aumentos de impostos se Jerónimo, a “justiça” ou a conjuntura assim o exigirem – os depósitos bancários, as transacções financeiras, os imóveis, o céu é o limite.

Vamos finalmente eliminar alguma réstia de inveja, alinhando unanimemente num novo desígnio supremo – tornar todos os Portugueses pobres.

Já nem é apenas de insensibilidade e de falta de ambição, de coragem e de responsabilidade que se trata; é de demissão – do sentido do dever e do respeito para com os cidadãos.

Talvez o problema seja da minha parte, concedo. De análise, de julgamento, de perspectiva, não sei. Talvez este seja, de facto, o novo normal.

Boa saúde, má memória e ilusões. Eis a condensação de todo um programa, uma atitude e um mote. Eis o caminho para a felicidade dos Portugueses. Isso e uma reedição provável da geringonça-cobradora-sem-fraque e possivelmente — porque não? — uma Constituição da República renovada, a caminho de um país colectivizado, que presenteia catarinas com dachas e atrevidos com gulags (com a provável aprovação de Rio).

Pelo meu lado, despeço-me até Setembro trauteando Adriano Correia de Oliveira e a “Trova do vento que passa” de Manuel Alegre:

”…há sempre alguém que resiste,
Há sempre alguém que diz não.”

Será?

Ou escolheremos a confortável receita simples para a felicidade – boa saúde, má memória e muitas mas mesmo muitas ilusões?