As opiniões são como os narizes, cada qual tem o seu. Talvez por isso, no rescaldo das eleições cada pessoa tenda a interpretar os resultados de acordo com as suas próprias perspetivas, vieses e interesses.

Só assim se compreende que haja jornalistas que considerem que Catarina Martins e João Oliveira saíram “vencedores” de uma eleição onde os seus partidos, por muito pouco, quase conseguiram perder a sua representação no Parlamento Europeu. Mas ainda mais paradoxal é ler, à saciedade, que Rui Rocha, líder do partido Iniciativa Liberal, terá sido um dos derrotados da eleição de domingo, devendo o resultado positivo do seu partido ser atribuído a um suposto “efeito Cotrim”.

Os números, esses, são bastantes claros: o vencedor da eleição é, sem dúvida, Pedro Nuno Santos, o PS, e Marta Temido, já que conseguiram ter mais votos e mais mandatos, numa eleição essencial para a sobrevivência da liderança socialista. A vitória do PS poderá, em qualquer caso, ser de Pirro, pois parece claro que o triunfo tangencial dos socialistas se faz muito à custa de um esvaziamento dos restantes partidos de esquerda, em particular do Bloco de Esquerda e da CDU, em autofagia progressiva rumo a um provável desaparecimento. Se esta eleição deu uma vitória ao PS, ela também mostrou que a esquerda no seu conjunto está cada vez mais longe de patrocinar uma solução de governo.

Mas igualmente Rui Rocha pode festejar vitória, já que em duas eleições muito exigentes – a 10 de Março e agora, a 9 de Junho – sob sua liderança o IL foi capaz de manter uma cadência de crescimento. Em circunstâncias distintas, tanto nas legislativas como agora nas europeias, o partido cresceu em votos expressos – 46.286 votos, nas eleições de 10 de Março, e 38.576 votos, nas eleições de domingo – algo que exibe uma forte solidez e resiliência do eleitorado dos liberais em relação a fatores externos, como o voto útil ou a abstenção, e até uma certa indiferença às quezílias internas. O IL ensaia com Rui Rocha a sua terceira liderança e o que os números dizem, sejam os números globais, sejam os números dos seus bastiões principais – Braga, Porto, Aveiro, Lisboa e Setúbal –, eleição a eleição, é que mormente as diferenças de estilo das lideranças e as turbulências internas (muitas delas artificiais e empoladas pela imprensa e por algumas bolhas nas redes sociais), há uma forte sintonia e um sentido de militância entre o partido e os seus eleitores, em crescimento sustentado.

Ironicamente, o sucesso do IL nesta eleição representa o seguro de vida de um dos principais derrotados desta eleição, a AD. Graças à boa performance do IL (e, em boa medida, também, face ao descalabro do Chega), Luís Montenegro, marginalmente derrotado pelo PS, pode respirar de alívio. O futuro do seu governo até pode ser incerto, pois continua em larga medida dependente de pessoas imprevisíveis como Pedro Nuno Santos e André Ventura. Certo é que os números não mentem: AD e IL estão no liminar da maioria absoluta que falharam em Março, e os seus adversários não mostram pujança suficiente para vencer umas eleições em que os eleitores os associem a instabilidade.

André Ventura e Rui Tavares, esses, são os grandes derrotados da noite de domingo. Rui Tavares continua a não conseguir libertar a marca unipessoal do Livre, um partido que está em forte afirmação em algumas classes urbanas desgastadas com a CDU e com o BE, travando o seu crescimento sempre que as suas bases procuram um caminho que não é necessariamente o seu. Já a volatilidade do voto no Chega mostra que um projeto político feito, apenas, da exploração do ressentimento e de estados de alma tem, necessariamente, pés de barro. Depois de conseguir um resultado histórico, há três meses, o tempo dirá se André Ventura consegue adaptar-se às exigências e responsabilidades que se pedem a um partido de massas, ou se, de facto, tem sido apenas barriga de aluguer de um grito de desespero de populações que não têm, em relação ao Chega, um sentimento de empatia ou militância.

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