Continuo a acreditar que a solução que apresentei é a correcta mas neste caso é melhor para todos dar um passo ao lado para garantir uma prudente e uma fundamental serenidade nas discussões importantes para a cidade. Vamos continuar a trabalhar para repensar uma intervenção na Avenida Almirante Reis para todos.” – Carlos Moedas ao anunciar que retirava sua a proposta sobre a ciclovia da Almirante Reis em Lisboa para evitar “jogos partidários”.

Carlos Moedas foi eleito com a promessa de acabar com a ciclovia da Almirante Reis. Uma vez eleito e após ter enfrentado os primeiros sinais de contestação, o que faz essa espécie de dom Sebastião da direita portuguesa? Anuncia um passo ao lado. Sim, ao lado. Como os caranguejos!!! Já agora para que lado: esquerdo? Direito? Pense bem antes de responder pois não tarda que venham dizer que deu um passo para a direita e consequentemente vai levar o tempo que lhe falta como autarca a justificar o sentido do tal passo.

Não me engano muito se antecipar que a próxima declaração de Carlos Moedas será mais ou menos assim: “Continuo a acreditar que a solução que apresentei – dar um passo ao lado – é a correcta mas neste caso é melhor para todos optar pelo pé coxinho para garantir uma prudente e uma fundamental serenidade nas discussões importantes para a cidade.”

Esta decisão  de Carlos Moedas em relação à ciclovia da Almirante Reis é tão mais grave quanto é protagonizada pela pessoa que deu uma rara vitória aos não socialistas, para mais num terreno que estes últimos consideravam seu: a autarquia de Lisboa. “Chega de manipular e bipolarizar a cidade. O tema é demasiado relevante para jogos partidários” – declara Carlos Moedas para justificar a sua decisão de deixar cair a sua proposta para a Almirante Reis. Sim, é mesmo isto: para combater a manipulação e a bipolarização (feitas por quem?) Carlos Moedas desiste. Nunca melhor lembrado! Quando a direita, ou, melhor dizendo, a não esquerda (dito assim para não enervar Carlos Moedas), consegue alguma vitória apressa-se a desistir dos seus projectos – para não bipolarizar – e rapidamente se cai na normalidade ou seja naquela situação em que a esquerda na oposição manda mais que a direita no poder.

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Não admira que as recentes intervenções de Cavaco Silva tenham gerado à esquerda e à direita tal sururu: afinal aquilo que o retirado Cavaco veio lembrar é que houve um tempo em que fazer oposição ao PS era o objectivo dos líderes do PSD. Agora não só isso está esquecido como o desígnio do PSD se tornou precisamente não fazer oposição. Rui Rio não foi uma excepção. Foi sim o sinal dessa reforma estrutural (a única que de facto aconteceu em Portugal): o espaço à direita do PS não só não tem um projecto para país como, independentemente dos votos que obtém, não se considera legitimado para exercer o poder. Tem sim um programa de articulação dentro da hegemonia socialista. Aliás, como bem se percebe nas palavras de Carlos Moedas, já não conseguem sequer pensar de forma autónoma.

Não por acaso, os portugueses vivem sob a bipolarização e a manipulação imposta por uma esquerda que começou por sacrificar os mais elementares princípios da racionalidade à sua cegueira ideológica: num dia temos de fazer de conta que a bicicleta é o meio ideal de transporte para novos e velhos, seja nas avenidas Novas em Lisboa, Abrantes ou Portalegre (contestar isto é polarizar!); no outro temos de compreender que não vamos importunar o senhor primeiro-ministro com perguntas inconvenientes sobre a trapalhada da lei dos metadados, trapalhada essa que está a por em liberdade criminosos condenados; no outro ainda, que não se deve perguntar para onde vão os 41,8 por cento dos rendimentos que enquanto trabalhadores entregamos ao estado e temos ainda de reservar tempo para fixar  que as mulheres têm pénis e que os homens também são mães (contrariar esta ficção implica o ostracismo e é definido como radicalização).

Não foi apenas o PS mas também a falta de oposição à direita que nos trouxeram para a tragédia distópica que marca o Dia de Portugal deste ano de 2022: enquanto no parlamento, os deputados, num desatinado assanhamento ideológico, se preparavam para aprovar a eutanásia (assunto que só interessa a eles mesmos senhores deputados) num hospital localizado a menos de cem quilómetros desse parlamento, um bebé morria após uma cesariana de urgência que pusera fim a um trabalho de parto marcado pela falta de médicos (Note-se que o acontecido agora em Junho de 2022 é mais um facto trágico a acrescentar ao que os dados do INE tinham revelado em Maio: há 38 anos que nível de mortalidade materna não era tão elevado,). Onde andarão agora  os activistas da campanha de abraços à MAC (Maternidade Alfredo da Costa) do ano de 2012? Sim, agora que as grávidas andam de hospital em hospital à procura de uma urgência que as atenda já ninguém se interessa pelas urgências de obstetrícia? Provavelmente os activistas transferiram a sua pulsão abraçante para as ciclovias e agora abraçam as bicicletas, pelo menos até que o executivo lisboeta volte a ser socialista.

Não se esperava que Carlos Moedas resolvesse nada disto, ele foi eleito presidente da CML e não primeiro-ministro, mas tinha-se a expectativa de que pelo menos se esforçasse para provar que é possível governar doutro modo. Porque era e é muito mais que uma ciclovia que está em causa. Era sim a coragem de reivindicar a legitimidade do poder à direita, assumir que em Portugal não existem eleitores de primeira e de segunda. Se Carlos Moedas não percebeu isto não percebe mesmo nada.

Por fim, uma pergunta. Ou duas. Ou três que tudo isto é de estarrecer: porque se candidatou Carlos Moedas à CML? Se a sua ambição era pôr-se a andar de lado ao primeiro sinal de dificuldades podia ter-se inscrito nas danças de salão, mais precisamente no cha cha cha que sempre é uma forma de andar de lado mas com graça. Agora muito francamente, o que lhe passou pela cabeça para aparecer por aí com o desígnio de ser candidato à CML? Mais a mais com os seus apoiantes frisando a determinação do candidato com o argumento de que Carlos Moedas renunciava à mais que provável presidência da Gulbenkian (durante muitos anos considerado o melhor emprego de Portugal!), para depois de ganhar a autarquia!

Se a intenção era destratar o seu eleitorado e acobardar-se ao primeiro picnic organizado pelo BE, desculpe que lhe diga mas para isso já havia cá muita gente que ao menos nos poupa àquela imagem constrangedora do andar de lado.  Francamente  não entendo e por isso pergunto o óbvio: acha Carlos Moedas que quem votou em si em 2021 vai voltar a por a cruz à frente do seu nome ou vai fazer deslizar a caneta para o lado?