Mãe, já faz muito tempo que ensaio para escrever isso. A demora se deve ao fato de que as dores têm o péssimo hábito de andar em fila indiana e nunca lado a lado, de mãos dadas. Uma dor se coloca na frente da outra, nos impedindo de ver o que há por trás. Acho que quando um filho perde um pai, é preciso muito tempo até que a nossa dor tenha delicadeza de sair da frente da fila, nos fazendo enxergar as dores que estavam ocultas ali atrás.

E foi assim com a sua dor, mãe. Sempre me preocupei com você, com sua saúde física e mental, te monitorei de perto nessas demandas. Mas parei por aí. Acho que, na verdade, não dei o valor devido à sua dor, na profundidade do que ela representa. Mas talvez agora, depois de tantos meses, eu já consiga ter essa generosidade – ou, quem sabe, essa decência.

Desde que tudo isso aconteceu, eu aprendi a dizer que perder um pai é passar a viver numa casa sem telhado. Venho, desde então, construindo uma cobertura para essa casa, mas sei que ela sempre será um pouco precária. Não por dependência, mas porque a vida sem um pai sempre chove, não importa como você se cubra. Existe uma chuva constante dentro da gente.

Mas descobri que perder um companheiro – desses que você ama há anos, com quem construiu tudo, com quem ri todos os dias e com quem segue fazendo planos – não é perder o telhado da casa. É perder a casa, em si. O quarto já não existe como antes, a sala se torna vazia, a mesa de jantar deixa de ser convidativa. A antiga casa já não existe mais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Perder um companheiro é perder o presente, o cotidiano, a rotina. Mas também é, acima de tudo, perder o futuro imaginado, os planos conjuntos, as viagens não feitas, a velhice esperada. E confesso que essa dor é algo que me dói apenas de imaginar. Conheci a dor do divórcio e a perda de uma vida que pretendia se prolongar no tempo, mas não conheço, nem de longe, a dor do nunca mais – sobretudo de um nunca mais que não foi escolha de nenhum dos dois.

Mãe, esse não é um texto sugerindo que você se refaça ou pedindo para tocar em frente. Esse é um texto de mero reconhecimento da sua dor, que é a mesma dor de tantas viúvas e viúvos, mas que nunca será algo banal. Assim como, pela ordem natural das coisas, quase todos nós perdemos ou perderemos nossos pais e, nem por isso, cada perda se torna menos dilacerante.

Esse texto é apenas para dizer a única coisa que aprendi ser útil em casos de perdas duras: eu sinto muito. Sinto, dentro de mim, tristeza e respeito pela sua dor. Não tenho condições de afastá-la, mas aceito cada manhã em que você sente desânimo, cada tarde em que você sente angústia, cada noite em que você sente saudades. Estou aqui. Não sou solução para nada, mas sou um lugar seguro de afeto e, ainda que de forma tardia, de compreensão e acolhimento da sua dor, que pode aliviar, mas que sei que existirá sempre.