O presidente Zelensky anda sempre agora com uma cara preocupada. Pelo menos nas fotos que vi da sua passagem por Lisboa, nem mesmo os cochichos do nosso presidente lhe inspiraram um sorriso. O ar sombrio de Zelensky tem razão de ser. Dois anos depois, reacenderam-se por todo o Ocidente as dúvidas que em 2022, nas primeiras horas da invasão russa, terão levado Joe Biden, esse especialista em retiradas catastróficas, a propor a fuga a Zelensky.

Sim, há dificuldades e nem tudo corre bem. Mas numa guerra, por maior que seja a vantagem, há sempre dificuldades e nem tudo corre sempre bem. É por isso que a firmeza dos líderes, a resiliência dos combatentes e a convicção das sociedades importam. Mas aqui não é apenas de dificuldades que se trata. É de outra coisa: uma inclinação para acreditar que qualquer esforço militar ocidental está condenado ao fracasso, é ilegítimo e se revelará inútil. É isso que vemos em relação à Ucrânia e a Israel.

Em que assenta esse derrotismo? Em primeiro lugar, na ideia de que todas as guerras, seja qual for a sua origem imediata, são culpa do Ocidente: Putin invadiu a Ucrânia, mas provocado pela expansão da Nato. Depois, na convicção de que nenhuma potência ocidental, por mais contida que seja, conseguirá fazer a guerra sem infringir as leis de um humanitarismo que só a ela se aplicam: o Hamas tem o direito de recorrer a “todos os meios necessários”, como se reclama nas universidades, mas as baixas civis que resultam da defesa israelita configuram logo um caso de “genocídio”. Eis porque todas as guerras parecem, aos ocidentais, destinadas a ser outro Vietname: o Ocidente, moralmente comprometido, acabará por desistir. É como se houvesse no Ocidente uma tendência para compensar a assimetria militar, que lhe é favorável, com uma assimetria moral, que joga a favor dos seus adversários, por mais hediondos que sejam.

Não é preciso explicar porque é que este derrotismo convém aos inimigos do Ocidente. Há que compreender, porém, porque é que as elites e os públicos ocidentais lhe são tão susceptíveis. Para começar, temos de falar da sua pretensão de superioridade moral, que facilmente se muda em auto-abjecção perante as necessidades da competição e confronto no mundo. Para os ocidentais, a guerra refuta qualquer causa. Mesmo quando têm de se defender, acham-se por isso culpados. Diz-se que os fins justificam os meios, mas os ocidentais comportam-se por vezes como se os meios tivessem de justificar os fins: quando os meios não são benignos, tudo lhes parece ilegítimo.

Mas este moralismo tem uma causa: a complacência. Os ocidentais predominaram no mundo durante os séculos XIX e XX. Sobreviveram à Alemanha nazi e à Rússia comunista. Mesmo quando perderam, como no Vietname, ganharam a prazo: Saigão está hoje mais americanizada do que no tempo da intervenção americana. Em 1989, acreditaram que tinham sido os vencedores de uma história que chegara ao fim. Nunca mais se sentiram ameaçados existencialmente. Por isso, acham-se acima do que acontecer na Ucrânia ou em Israel. Daí permitirem-se o luxo de tratar a derrota como uma opção.

O derrotismo ocidental tem a sua raiz, não no cepticismo, mas na ilusão. É o reflexo de um mundo que já não existe. O Ocidente já não produz a maior parte da riqueza mundial. A democracia e a economia de mercado já não são o fim da história. Na Ucrânia e em Israel, não está apenas em causa a existência de Estados que potências locais se recusam a reconhecer. Está em causa a ordem mundial, que ditaduras como a de Putin e do Ayatollah pretendem refazer à sua imagem. Não é só Zelensky que deve estar preocupado.

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