1A arte da política passa pelo saber, estratégia e capacidade de decisão. Mas também deve muito à noção do melhor timing para falar ou agir. Aníbal Cavaco Silva domina como poucos essas ferramentas — como demonstrou, uma vez mais, no artigo de fundo publicado no Expresso que tanto irritou o PS e a esquerda em geral.

Com um diagnóstico assertivo e certeiro, o ex-Presidente da República não só identificou as principais causas da estagnação económica em que Portugal está mergulhado desde o início do século, como afirmou de forma fundamentada que as políticas do Governo de António Costa só levarão a mais empobrecimento face à União Europeia por seguirem um caminho que nunca deu bons resultados: a estatização da economia, o desprezo pela competitividade do setor privado, com destaque para a ausência de uma visão para retificar o nosso problema crónico de uma produtividade medíocre.

Mais importante, contudo, foi a principal mensagem deste artigo muito bem escrito: há condições para termos uma mudança de ciclo político. Daí a importância da sua crítica à “oposição política débil e sem rumo” que não apresenta uma alternativa que permita ao país solucionar todos os problemas acima descritos. Cavaco Silva não identifica mas é óbvio que está a falar do PSD, o principal partido da oposição que tem a obrigação de liderar tal alternativa.

2

Um dos últimos episódios dessa oposição frouxa, preguiçosa e ultrapassada de Rui Rio aconteceu no último debate parlamentar com António Costa. Ironicamente, tudo começou com uma intervenção do deputado André Coelho Lima (uma boa revelação da direção de Rio) na qual recordou a utilização eleitoralista do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) por parte de Costa nas últimas autárquicas, recorrendo a uma provocação parlamentar feita num tom sereno e adequado.

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Ora, a resposta do primeiro-ministro não podia ter sido mais desproporcional. Num estilo agressivo, altivo e arrogante, Costa destratou o deputado do PSD. Não só lhe chamou ignorante, como lhe disse no seu melhor tom autoritário que não autorizava Coelho Lima a fazer “qualquer juízo moral” sobre o seu comportamento” e que devia estudar “antes de abrir a boca na Assembleia da República”.

O que fez Rui Rio, que estava a assistir a tudo na primeira fila da bancada do PSD? Nada, zero! Perante um dos melhores exemplos do autoritarismo político que tão bem caracteriza António Costa — que minutos antes até tinha tido o desplante de afirmar que os deputados da oposição lhe deviam pedir desculpa pelas acusações de uso indevido do PRR como arma eleitoral nas autárquicas — os social-democratas nem a defesa da honra da bancada pediram.

Perante uma oportunidade de ouro para reforçar a imagem de arrogância que se colou a Costa durante a campanha para as autárquicas, Rui Rio deixou escapar o pássaro que tinha entre as mãos. Aliás, nem deve visto tal pássaro! Uma perfeita metáfora da desgraça que tem sido a oposição do líder do PSD.

3 Não sei se António Costa está farto de aturar as questões banais da política interna. A acreditar pelo que se comenta entre os seus próprios ministros, parece que sim. O que tem como consequência uma perda de coesão interna no Executivo e uma perda de autoridade do próprio primeiro-ministro.

O que sei é que este esta polémica parlamentar é só mais um entre os muitos sinais de final de ciclo que têm surgido nas últimas semanas.

Acresce a tudo isto os sinais de incerteza e desaceleração económica mundial — que até já foram referidos esta semana pelo governador socialista Mário Centeno. O ritmo do crescimento da economia norte-americana abrandou (menos 300 mil empregos do que o previsto), a economia chinesa já está a ser afetada pelo caso da Evergrande, os preços da energia, do transporte marítimo e de algumas matérias primas não param de subir e a ausência de chips está a paralisar a Autoeuropa e a restante indústria automóvel europeia (o problema só deverá ser resolvido em 2023). Isto já para não falar das pressões que alguns destes problemas colocam sobre a inflação — e possibilidade do Banco Central Europeu ter necessidade de alterar a política de juros baixos.

Resumindo e concluindo: ao contrário do que se previa, o Governo de António Costa não vai poder surfar única e exclusivamente a onda do PRR até 2023. Tem de ter cuidado com estas ondas perigosas e outras surgirão. E dificuldades para o Executivo representam uma oportunidade para o PSD.

4 É por tudo isto que Cavaco Silva fala em “oposição política débil e sem rumo”. O ex-Presidente da República entende que Rui Rio não tem capacidade para ganhar ao PS de António Costa (ou até mesmo a Pedro Nuno Santos) e muito menos visão para ser um primeiro-ministro que possa conduzir o país pela estrada do crescimento económico sustentado com o objetivo de alcançar a média do poder de compra da União Europeia.

Logo, a mudança de ciclo político só poderá ser feita por outra liderança do PSD. O apelo de Cavaco Silva à oposição interna a Rui Rio é claro: unam-se! E os destinatários são óbvios: Paulo Rangel, Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva — as caras da oposição a Rio.

Se bem conheço a metodologia de Cavaco Silva, o ex-líder do PSD nunca daria este passo sem antes perceber se, de facto, a oposição a Rio tem hipóteses de ganhar no aparelho partidário — que é o que conta nas diretas. Ao contrário do que se pensa, Cavaco continua muito bem informado sobre o que se passa no país em geral, e no PSD em particular. Aliás, e tendo em conta a sua avaliação negativa sobre Rio que já vem desde há muito, é sintomático que tenha optado por falar agora quando nas diretas de 2020 em que Montenegro desafiou Rio optou pelo silêncio.

Parece-me igualmente claro que Paulo Rangel é o que está em melhores condições para avançar, por já ter reunido aliados importantes nas distritais de Lisboa, Porto, Aveiro e Braga. Se assim é, não vejo como Luís Montenegro (que tem importantes apoios no aparelho do norte do país) poderá recusar apoiar o eurodeputado.

Montenegro é um político inteligente. Recusou avançar com uma boa entrevista ao Jornal de Notícias mas agora tem de utilizar uma das suas melhores armas: o pragmatismo político.

O mesmo se diga de Paulo Rangel — que só tem a ganhar em ter Jorge Moreira da Silva, umas das melhores cabeças do PSD e um executivo, como aliado.

Vamos ser claros: há condições para uma mudança geracional na liderança do PSD para trazer o partido de regresso ao presente para ganhar o futuro. Veremos se Rangel, Montenegro e Moreira da Silva aproveitam a oportunidade.

5

É sabido que uma parte do PS e a extrema-esquerda nutrem um ódio primário por Cavaco Silva — que, uma vez mais, teve rédea solta nas redes sociais a propósito do artigo no Expresso. Não lhe perdoam ter sido o político mais votado e com mais vitórias eleitorais da democracia portuguesa, tal como nunca gostaram da profunda transformação política, social e económica que produziu no país entre 1985 e 1995.

Esse lado anti-democrático da esquerda é precisamente um dos grandes quistos do regime — e que algum dia terá de ser tratado e resolvido.

Quando esse ódio político se desvanecer dentro do PS (um processo inevitável), sendo remetido para o habitat natural do fanatismo e do extremismo do PCP e do Bloco de Esquerda, os verdadeiros democratas aceitarão uma verdade histórica irrefutável: Mário Soares e Aníbal Cavaco Silva são os dois grandes políticos do regime democrático português.

Um deu-nos a Democracia. O outro transformou Portugal num país europeu.