Quando a União Europeia se posicionou como líder na regulação das empresas tecnológicas, na proteção de dados e até, no início deste mês, na regulação da inteligência artificial, poucos imaginariam que a China, que a Chanceler Merkel classificou como rival sistémica, seguiria o seu exemplo.

Mas este mês, Shenzen publicou uma legislação que clarifica os direitos individuais na utilização e recolha de dados pessoais pelas empresas chinesas. Deverão ser implementados ainda este ano a nível nacional, dois pacotes legislativos: a Lei de Proteção da Informação Pessoal (PIPL da sigla em inglês) e a Lei sobre Segurança de Dados. Ao mesmo tempo, nos últimos meses as inspeções às gigantes tecnológicas têm acelerado na China, sendo que até agora, os processos incidiam sobretudo sobre práticas concorrenciais.

As motivações para este cerco às tecnológicas não serão necessariamente apenas de natureza regulatória, mas também política. Não é por acaso que o regulador chinês fez a sua maior investigação no âmbito da política de concorrência à Alibaba, cujo o dono é um dos mais abertos críticos do regime. Também é verdade que, pelo menos em parte, a nova legislação sobre dados parece estar a ser motivada pelo crescente descontentamento público com algumas empresas que ganharam um poder de mercado significativo. Uma das principais diferenças entre a nova regulação chinesa e a atual legislação europeia prende-se com o tratamento do setor público. Embora na China esteja incluído o setor público é pouco claro que os dados dos cidadãos estejam de facto protegidos quando são invocados aspetos de defesa nacional ou segurança interna, o que reforça a perceção que estas leis poderão ajudar a controlar o poder das tecnológicas pelo ao Estado chinês.

Até agora o crescimento das empresas tecnológicas serviu à China para avançar mais rapidamente na corrida global da inovação digital. Em 2015, a China publicou um plano “Made in China 2025” com o objetivo de reforçar a produção das indústrias tecnológicas e de ponta. Essa liderança trouxe vantagens económicas e políticas, permitindo a disseminação da tecnologia chinesa a nível global e em especial nos países em desenvolvimento. O progresso tecnológico e a inovação permitiram assim à China reforçar a sua liderança política em várias regiões.

A nova política com regras mais apertadas para as tecnológicas terá por isso também consequências, não só para as empresas chinesas, mas também a nível internacional. Em primeiro lugar, a aproximação à Europa de algumas das regras sobre proteção de dados poderá nivelar a situação das empresas chinesas face às empresas europeias, até porque a PIPL que será implementada na China este ano tem vários aspetos semelhantes ao Regulamento Geral de Proteção de Dados. Por outro lado, ao introduzir esta regulação a China posiciona-se também como uma potência na regulação de dados. A existência de um novo pacote regulatório obrigará empresas fora da China que tenham acesso a dados de indivíduos chineses a respeitar mais um pacote regulatório de proteção de dados, o que implica custos adicionais (ainda que possivelmente marginais se as empresas já aplicarem o regulamento europeu, por exemplo).

A nova posição do Governo chinês não só a reflete necessidade de tranquilizar os seus cidadãos face a eventuais abusos das empresas, mas também a vontade de controlar politicamente as empresas tecnológicas, já que a sua dimensão lhes dá um poder de influência significativo. De qualquer forma, isto é mais um passo numa harmonização global da regulação das gigantes tecnológicas.

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