Ora a remodelação no governo. Os novos membros do governo são fiéis de Costa que permitem os meses antes das eleições com a mensagem alinhada. Escolhidos também para serem testados para um novo governo a seguir às eleições. Tudo normal. Bom, com um par de considerações a fazer.

A nomeação de Mariana Vieira da Silva para Ministra da Presidência, enfim, tinha mesmo de acontecer? Com o pai no mesmo governo? Não me entendam mal. Mais uma ministra num governo que tem tão poucas mulheres? Ótimo. Mas irritam-me dinastias políticas. E não me macem com o mantra ‘coitadinhos dos filhos de pais destacados, às vezes têm tanto mérito e são desconsiderados só porque são filhos de tal e tal’. É certo, pode ser injusto. Quem não beneficiou das vantagens que os pais conseguiram oferecer, seja de reputação, apelido, valores, maneiras, o tal capital social, dinheiro para pagar boa educação e viagens e atividades enriquecedoras? Mas em se tratando de alguém com uma desmedida influência na vida dos governados, ou que decide como se usa o dinheiro dos contribuintes, o meu moto é sempre errar pelo excesso de escrutínio e exigência em vez de pela negligência.

Ora Mariana Vieira da Silva é filha do ministro Vieira da Silva — além de ter sido próxima e indefetível de José Sócrates. Pode ser tremendamente competente — dizem que é fundamental para a engrenagem do governo. Mas filha e pai no mesmo governo — not my cup of tea. Se entrava a filha, saía o pai. E substituía-se o pai por mais uma ministra — afinal António Costa tem um governo em que somente 17% são mulheres. E as mulheres são um tudo nada mais de 50% da população.

Não me venham com a estafadíssima conversa de ‘interessa a competência e não o sexo’, dando a entender que escolher uma mulher é escolher uma pessoa não competente por paternalismo. Sim, conhecer de experiência própria os problemas dos governados ajuda muito à boa governação. Chama-se representação política. É por isto, por exemplo, que a Assembleia da República elege deputados por cada distrito do país. Não me vou alongar por aqui sobre a exclusão das mulheres da representação política; recomendo, em vez disso, a leitura de Mulheres & Poder, Um Manifesto, de Mary Beard. As mulheres políticas, é fenómeno identificado e quantificado, participam proporcionalmente muito mais que os homens na legislação que envolve questões femininas. Quanto menos mulheres, menos as especificidades das necessidades femininas são debatidas e politicamente consideradas. Tendo em conta os números crescentes de violência doméstica e violência sexual (os casos-limite) dos últimos anos, o aumento da participação política de mulheres começa a ser uma questão de sobrevivência para muitas.

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Continuando. Desconfio sempre de ligações e lealdades, em se tratando de cargos envolvendo poder político, que sejam mais fortes que a procura do bem comum. E este governo já tem um lindo casal, onde as mesmas reticências se aplicam. Lealdades familiares, regionais, clubísticas, maçónicas, de agremiação religiosa, de fação política. Não fica bem ao PS tornar-se um partido que gira à volta de relações familiares. Por muito bem-intencionadas e competentes que sejam as pessoas, quando são, a opacidade traz sempre maus resultados.

Curiosamente tenho visto nas redes sociais o argumento do possível favorecimento ao genro de Cavaco Silva na compra do Pavilhão Atlântico (em investigação) para tentar calar o protesto por estas famílias todas no governo. Não entendem que estão a estampar os problemas das famílias misturadas com poder: nem é preciso estar no governo com a mão no dinheiro dos contribuintes para surgirem casos obscuros.

Nem tudo é negativo. António Costa promoveu uma geração de políticos mais novos, todos eles ambiciosos — sobretudo Pedro Nuno Santos, que além de ambição tem ego e falta de sensatez. (Recordai as pernas que tremiam aos banqueiros alemães. E o glorioso PS que, com a geringonça, nunca mais precisaria da direita para aprovar legislação e governar.) Mostra que é um líder inteligente, Costa. Daqueles que são dados como exemplos nos seminários sobre liderança. Um bom líder é o que prepara a sucessão. Promove os possíveis sucessores, forma-os, carrega-os de experiência, testa-os, deixa-os brilhar. No tempo pós Costa o PS terá candidatos a líder consistentes, goste-se mais ou menos da ideologia e do estilo de cada um. E isto é uma mais valia num partido.

Compare-se com o que sucedeu no PSD. Passos Coelho teve o cuidado de não promover ninguém da nova geração que pudesse crescer e ofuscá-lo. Lançou uns poucos (e muito poucos), sem peso político nem qualquer possibilidade real de disputar a liderança. Os seus delfins foram um esgotado Santana Lopes e um desconhecido e pouco experiente em termos de poder executivo Luís Montenegro (e do que se conhece, viagens e adjudicações, melhor seria não conhecer). Os reais talentos ficaram arredados dos holofotes. Resultado? É ver as preferências de voto do PSD; que não são só filhas de Rui Rio (ele próprio um regresso ao passado — nos temas, no discurso e no estilo).

OK, vou ainda à terceira. António Costa promoveu pessoas com pouquíssima experiência profissional fora da atividade política. É dos piores indicadores para qualquer político. Viver-se sempre na bolha dos partidos, sem contacto com as vicissitudes das empresas e organizações da sociedade civil é péssimo cartão de visita. Acresce a isto a bolha dos partidos – e como é fácil para os militantes dos partidos perderem o filtro que os faz não perceber que o país não gira à roda das tricas da vida interna partidária. É o caminho mais rápido para adquirir a mentalidade de casta, cujos caprichos despesistas devem ser sustentados pelos contribuintes.