Terminadas as eleições em Madrid, os portugueses de esquerda e direita começaram a tentar encontrar paralelos entre lá e cá. E há argumentos para todos os gostos. Só que uns são mais válidos que outros.

O que aconteceu esta semana em Madrid foi que um partido assumidamente de direita (em Espanha as coisas são sempre muito mais claras e divisivas do que cá) derrotou a esquerda, esmagou o PSOE, acabou com o Unidas Podemos (pelo menos com o seu líder) comeu os liberais e não ficou irremediavelmente nas mãos da direita radical. O sonho de qualquer político de centro-direita. Mas nem todos querem ler a realidade da mesma maneira.

Isabel Díaz Ayuso, a candidata do PP à região de Madrid, fez um discurso nacional, de unidade das Espanhas, de máxima liberdade e normalidade possíveis face à pandemia, e não teve medo da sua direita. Fez frente à esquerda com ideologia e ações, mas sem se confundir no discurso com o extremado Vox. Pelo contrário. Fez do PP uma grande tenda, onde entraram ex votantes do liberal Ciudadanos e um enorme número de abstencionistas que praticamente fizeram dobrar o número de votos no PP de 2019 para 2021. Correu tudo tão bem que até o que não correu não tem de ser um problema. O PP não tem maioria absoluta, mas não precisa de se coligar com o Vox. Pelo contrário, basta encostá-lo à parede: não vai deixar um governo de direita governar? A abstenção do Vox no futuro, a sua única boa opção, não tem de ser um prémio ou uma aproximação, pode ser um castigo bem infligido. Tudo depende do caminho que Ayuso escolher.

Há quem queira daqui concluir que uma direita como a direita espanhola, sem complexos, pode se afirmar e ganhar em Portugal. É a lição certa no contexto errado. Uma direita e um centro direita assumidos em Portugal serão sempre diferentes da direita espanhola, porque a nossa política não herdou as feridas da Guerra Civil nem o antagonismo latente daquela sociedade. O que é comparável é o posicionamento: à direita, claro, mas sem se preocupar em competir com quem está a sua direita; assumidamente conservador e liberal, para conquistar os votantes mais moderados ou desiludidos. O resto, o confronto directo com a esquerda radical tem um contexto específico. O Unidas Podemos extremou a política espanhola e arrastou o PSOE consigo nesse exercício (que, de resto, já tinha iniciado esse percurso de mote próprio desde os tempos de Zapatero). Coisa que nem o Syriza, na Grécia, fez.

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Agora, a esquerda vai dizer que Ayuso é radical e que pesca (pelo menos governantes) nas águas do Vox. A esquerda moderada tem um interesse compreensível nesse exercício: deslegitimar qualquer governo de direita. Esquece-se que ao baralhar tudo e ao estar sempre disponível para qualquer geringonça menos para permitir um governo de direita minoritário, alimenta a polarização e reforça os que à direita querem geringonçar também. Falta, porém, perceber se um executivo Ayuso com membros próximos do Vox o legitima ou lhe rouba espaço. Depois do que o líder do PP, Pablo Casado, disse sobre o Vox de Santiago Abascal, dar a mão seria um erro, e seria desnecessário; esvaziá-lo, pode bem ser a estratégia mais inteligente.

Num país governado por um partido socialista aliado com as esquerdas mais radicais da Europa, uma direita clara não teve de ser populista nem refém do discurso extremado. Um centro-direita liberal-conservador, que não é reacionário nem híper-individualista, diz tanto aos eleitores tradicionais como aos abstencionistas e aos do centro. Mas para tudo isso funcionar, é preciso ter uma história para contar. É preciso um projecto claro. Querer apenas ser a senhora ou o senhor que se segue ao que está no poder não é inspirador. Isabel Díaz Ayuso ganhou porque os eleitores sabiam o que a presidente era e seria. A sua clareza foi essa. O seu radicalismo foi esse.

As circunstâncias, claro, também ajudaram. Os madrilenos culpam Sanchez e o PSOE pelos erros durante a pandemia, fugiram do radicalismo de Pablo Iglesias, que foi sempre muito mais conflitual e identitarista do que outra coisa qualquer, e preferiram uma esquerda que se apresentou moderna, feminista, verde e mais suave que os mais radicais (Más Madrid).

Portugal não é Espanha, mas as lições existem. O centro direita, se quiser poder, tem de conquistar os abstencionistas e os eleitores a caminho do centro. Com convicção, que não é a mesma coisa que com radicalização ou más companhias.