A única coisa que se pode dizer em favor do Primeiro-Ministro, é que deve haver muitos políticos pelo mundo fora a darem constantemente o dito por não dito perante essa recrudescente pandemia que não deixa país algum funcionar normalmente. António Costa tem sido, com efeito, useiro e veseiro em dar o dito por não dito desde o início da pandemia, começando por tentar varrê-la para debaixo do tapete e voltando a fazer o mesmo a respeito do Orçamento para 2021: agora é a ameaça de se demitir.
Com efeito, há semanas que o Primeiro-Ministro anda a ameaçar abrir uma crise no país, a propósito de tudo e de nada, se os outros partidos não fizerem a vontade dele. No limite, perante a pandemia, é compreensível que os responsáveis hesitem perante as melhores formas de responder à crise sanitária. Daí a ideia de obrigar toda a gente a usar uma “aplicação” de telemóvel contra a Covid-19, mas parece que já recuou na ameaça.… O que já não é aceitável, é que o Governo continue a negar as dificuldades do SNS para lidar com a nova vaga pandémica e a recusar apelar aos hospitais privados conforme devia ter feito desde o início.
Mais grave ainda é, porém, a ameaça que o Primeiro-Ministro tem vindo a fazer há algum tempo com uma “crise política”, isto é, com a demissão do Governo no caso de o Orçamento para 2021 não passar no Parlamento, como se isso fosse algo de inaudito, para não dizer um ataque pessoal. Depois de a televisão repetir incessantemente a notícia dessa “crise” e de o Presidente da República se imiscuir de novo nas relações entre os partidos como se tivesse poderes executivos, António Costa vem de novo dar o dito por não dito. Acusa o BE e o PCP de se aliarem à chamada “direita” para “chumbar” o Orçamento, como se este valesse alguma coisa perante a crise sanitária e económica que estamos a viver, mas à medida que o momento da verdade se aproxima… declara, afinal, que não se demite!
Possivelmente, conhecendo nós os seus parceiros da “geringonça”, estes acabarão por deixar passar o Orçamento, já que este só tem valor se os fundos gratuitos prometidos da UE vierem algures para o ano… Se a pandemia permitir! E se o PCP e o BE chumbassem o Orçamento, nada mudaria na prática concreta perante a pandemia: os lares, teoricamente supervisionados e indirectamente financiados pelo Estado em benefício de “instituições sem fins lucrativos”, como as Misericórdias, continuarão a deixar morrer os idosos, os quais representam metade ou mais dos óbitos provocados directa e indirectamente pela Covid-19.
Dito isto, o mais grave de tudo nos anos mais próximos, para além dos danos incomensuráveis que a pandemia deixará atrás de si, é o facto de o PS ter consumado o seu golpe parlamentar em 2015. Com efeito, depois dos governos Sócrates e perante os resultados aritméticos das legislativas de 2015, apesar do bom desempenho do Governo Passos Coelho perante a terceira virtual bancarrota provocada pelo PS, António Costa não hesitou em angariar os votos do PCP e do BE, a fim de recuperar o poder e perante a impotência constitucional do PR cessante.
Acontece, que no ambiente aparentemente cordial anterior à pandemia, o novo PS não só desmantelou o bloco PSD-CDS, como iniciou a pulverização do Parlamento, ao mesmo tempo que aumentou a dívida pública a fim de encher o aparelho de Estado de governantes e funcionários públicos afins ao partido. O resultado é conhecido e, se não fosse o impacto da pandemia, já a generalidade dos eleitores se teria seguramente apercebido que está diante de um projecto político de dominação partidária para durar enquanto o actual Governo o conseguir. Foi assim que o PS adoptou todas as modalidades conhecidas de favoritismo, ao mesmo tempo que nos fez pagar com o aumento da dívida pública a angariação de votos e os apoios privados, enquanto enchia o aparelho de Estado de empregados e nacionalizava as empresas falidas com dinheiro disfarçado da UE.
Esta tragédia da sul-americanização do regime político português promovida pelo PS e os seus comparsas, combinada com a corrosão provocada pela pandemia, arrisca-se a destruir, sem apelo, o sistema partidário saído do 25 de Abril. É bom não esquecer, que nunca a Constituição foi submetida ao sancionamento popular, assim como também nunca o foi a adesão à União Europeia e aos seus tratados. A isso, acrescenta-se o facto de o abstencionismo eleitoral, sempre crescente, ser consequência e causa do comportamento dos partidos. Se e quando o PS cair, o que não é de excluir se a pandemia se prolongar, não serão novas eleições que encherão o vazio. Será pior: a luta de todos contra todos!