Não vou citar a estafada frase de Churchill sobre a democracia. Digo apenas que a democracia é, de momento, o melhor regime para se viver, e temos basicamente de saber viver com ela e, se conseguirmos, melhorar o seu funcionamento.
Em Outubro de 2015 iniciou-se a XIII legislatura. Passo Coelho, o vencedor das eleições é convidado para formar governo, mas a aprovação de uma moção de rejeição ao programa de governo fez cair o governo e iniciar o que viria a ser conhecido como o “governo da geringonça”. Os primeiros seis meses de atividade parlamentar eram frequentemente pontilhados por intervenções de deputados do PSD e CDS acerca da ilegitimidade do então novo governo de António Costa. Demorou algum tempo, mas penso que hoje já toda a gente percebe a primeira lição da democracia: não governa quem ganha as eleições, mas em regime parlamentar, quem tem uma maioria parlamentar para governar. Caso ninguém tenha essa maioria, pode acontecer que haja governos minoritários, mas a sua instabilidade já se percebeu que é pouco recomendável.
Na Madeira, Albuquerque percebeu isso, mas foi precipitado. Não tinha necessidade de dizer que poderia apresentar uma solução política em dois dias. A sua melhor solução seria ter feito dois acordos um com o PAN e outro com a Iniciativa Liberal. Levaria mais tempo, mas não ficaria dependente do PAN que, do (pouco) que sabemos do acordo, nem se compromete a viabilizar os orçamentos regionais que analisará caso a caso. Ou seja, apesar de dizer que o acordo é “à prova de bala” não tem garantida a estabilidade do seu executivo e já alienou a Iniciativa Liberal. Do ponto de vista democrático, quanto maiores as opções de coligações para a formação de um governo melhor e este inusitado e inesperado acordo de incidência parlamentar entre partidos que não estão muito próximos ideologicamente é a este título positivo (excluo deste princípio genérico o Chega).
A segunda lição básica da democracia é que se um partido quer ter o apoio de outro tem de dar algo em troca. Na política também não há almoços grátis. Será que aquilo que é dado em troca é uma “traição”? Antes do mais é um compromisso, ou uma cedência mútua se assim se quiser. Ao alargar um acordo de governação ou uma coligação, é preciso ceder em algo, que obviamente não está originariamente no programa eleitoral do partido encarregue de encontrar uma solução governativa. Só seria uma traição se essa cedência violasse claramente os princípios programáticos eleitorais dos partidos. Não me parece ser o caso nem das reivindicações do PAN em relação ao PSD na Madeira nem dos independentistas bascos e catalães em relação ao PSOE. Feijóo fez demagogia ao dizer que poderia ter cedido aos independentistas, pois se o fizesse alienava o Vox. Ou seja, o PP não tinha mesmo maneira de alcançar uma maioria absoluta. Obviamente que aquilo que resultará dos acordos entre PAN e PSD ou entre PSOE e SOMAR com os nacionalistas de esquerda bascos e catalães é diferente do que resultaria só das maiorias absolutas, que não existem, da coligação PSD+CDS ou do acordo PSOE e SOMAR.
A terceira lição é que os líderes partidários são cada vez mais importantes nas votações e nas decisões políticas. A decisão de Albuquerque de fazer acordo com o PAN foi tomada por ele próprio em não muitas horas. Terá comunicado quando muito a Montenegro, mas nem ao CDS, seu parceiro, a comunicou. E a justificação pública que deu ao país “porquê o PAN e não a IL?” foi apenas: porque quis. Foi honesto, pois a decisão foi sua, mas ao menos podia ter-se dado ao trabalho de dar uma roupagem mais encorpada a essa decisão do tipo: acreditamos que a deputada Mónica Freitas será mais dialogante com o PSD e CDS que o deputado da IL. Os resultados maus do PS Madeira, são também o reflexo de o PS ter mudado de líder com a saída de Paulo Cafofo. Esta ideia que é a marca PS (ou de outro qualquer partido) que faz ganhar eleições é uma quimera. O desempenho dos partidos em geral influencia o voto, mas quem apresenta a cara nas eleições, com o seu maior ou menor carisma e percurso de vida, é também muito importante. Uma lição que PS e PSD e os restantes partidos deviam fixar para as próximas eleições.
Há temas que são, e bem, escaldantes para a opinião pública. Aquilo que soubemos esta semana sobre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa necessita ser bem investigado. Fico satisfeito de saber que é uma pessoa como Ana Jorge que está à frente da instituição. A quarta lição da democracia, é que cada vez mais os cidadãos, que em geral vivem vidas difíceis, são sensíveis a temas como corrupção, mau uso de dinheiros públicos, peculato e nepotismo. Os partidos que não conseguirem combater estes fenómenos, ou que com eles forem coniventes, perderão apoio popular em geral para partidos extremistas e populistas.