Alguém otimista que olhe para o mundo desenvolvido e respeitador dos direitos humanos – aquilo que geralmente chamamos Ocidente –, e que já tenha lido a Arte da Guerra de Sun Zi, pode concluir alegremente que estamos, nós, ocidentais, numa das fases de ludibriar o inimigo, fazendo-o pensar que somos patos tontos e impreparados para que, mais dia menos dia, possamos retaliar com poderio e garra (que o inimigo supôs não existir) e vencer. Alguém mais habituado aos desvarios ocidentais percebe que não: somos mesmo patos tontos. Gente que com tremenda ferocidade reage a umas palavras desbocadas de um qualquer imbecil, às vezes a palavras acertadíssimas mas que não colhem adeptos na hoste puritana-progressista, mas que se agacha perante qualquer ataque grave. O inimigo (que também leu Sun Zi), vê a léguas que somos terreno fértil para ataques sem fim, porque estamos já tão imprestáveis que defendemos com paixão aqueles que nos atacam.
Vejam o que se passou nestes dias nos ataques terroristas de Barcelona e da Finlândia (essa grande potência colonial de outrora, esclavagista, promotora de genocídios dos nativos dos locais que ocupou, com o maior contingente de tropas que ocuparam o Iraque… oh, espera, não? Raios que os terroristas nem sabem não dar cabo dos clichés progressistas).
Os terroristas de Barcelona e Cambrils eram maioritariamente marroquinos. Como isso não é bom para a retórica fofinha de diabolização do Ocidente e branqueamento do Islão, logo se inventou uma história, replicada pela malta tuiteira de esquerda catalã como se com a sua própria mãe se tivesse passado, garantindo que um taxista marroquino havia levado gratuitamente a casa tal senhora com tão numerosa descendência. A verdade é hostil? Inventa-se uma mentira fofinha para lhe responder.
Durante a crise dos refugiados, muitos alertaram para o perigo para a segurança dos europeus de aceitar grandes números de pessoas de países com muita gente radicalizada e apoiante do terrorismo islâmico. Pois bem, o terrorista da Finlândia chegou àquele país pedindo asilo como refugiado. O mesmo já tinha ocorrido com o terrorista de Berlim, no Natal. Mas deixem estar, que as florzinhas que insultaram toda a gente que recomendava prudência com os refugiados não farão nenhum exame de consciência por causa da sua histeria. Continuarão de dedo moralista estendido com o assunto seguinte.
O mesmo adorável esfaqueador marroquino aparentemente escolheu mulheres como alvos (bem feito, que nenhuma senhora decente anda pela rua a passear-se, se calhar de minissaia, em vez de estar em casa a tratar da comida do marido e dos filhos). Em Manchester rebentou-se um concerto que visto maioritariamente por raparigas adolescentes. Em Lyon um muçulmano tentou estrangular uma perdida que cometeu o supremo crime de se abrigar numa mesquita para acender um cigarro (no fundo um ensinamento benigno sobre o respeito que as mulheres ocidentais devem aos locais sagrados islâmicos).
Há alguma reação das feministas de esquerda perante os mais que previsíveis ataques dos islâmicos na Europa aos mais basilares direitos femininos? Claro que não. As e os feministas de esquerda têm como causa primeira combater a influência da Igreja Católica (essa sim impenitentemente machista, acorrentou mulheres durante séculos) com a sua substituição pelo Islão.
Os exemplos com o terrorismo são infindáveis, há mais. Há dias a Cambridge University Press retirou o acesso online dos chineses a trezentos artigos relacionados com a China, publicados na conceituada China Quarterly, a pedido (mais tarde li ‘ordem direta’) do governo chinês. Os escritos censurados diziam respeito a estudos académicos e a recensões de livros sobre Tian’anmen em 1989, a Revolução Cultural, o Tibete, o Xinjiang e a presidência de Xi Jinping.
Nos outros temas não sei avaliar, mas fiquei boquiaberta com a lista no que toca à Revolução Cultural. É impossível fazer qualquer história e estudo sério sem a investigação daqueles autores – de reputação incontestada – e sem ir buscar boa parte daqueles artigos. O que, claro, é o objetivo da China.
Não me vou perder dando exemplos da tentativa de supressão pelo partido comunista chinês de tudo o que publicamente se diz e escreve sobre a revolução Cultural. Detenhamo-nos, antes, na forma como a CUP acedeu a censurar produção académica admirável, em busca de benefícios financeiros editoriais na China. Por momentos, saboreemos este tão cristalino exemplo de vender a liberdade de expressão. Justificado, claro, com um suposto bem maior (permitir o acesso dos académicos chineses à restante produção da CUP). A Universidade de Cambridge, proprietária da CUP, já reverteu a decisão de censurar os artigos a que o PCC torce o nariz, mas a submissão ao regime chinês é impossível de apagar.
Vender princípios tem sempre um preço, como o terrorismo mostra. Vender os direitos das mulheres na Europa para agradar aos islâmicos tem um preço claro – e começa a ser pago em vidas de mulheres. Há décadas, para aceder ao petróleo, a Bélgica aceitou que a Arábia Saudita, com o seu totalitarismo islâmico, financiasse as mesquitas do país. Para a frente algumas décadas, estas mesquitas são locais de radicalização dos jovens muçulmanos da Bélgica de onde saíram alguns terroristas que mataram belgas.
Post Scriptum. Por falar em falta de auto respeito. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa não participaram, nem se fizeram representar, nos funerais das vítimas de Pedrógão. Vão agora ao funeral das duas portuguesas mortas em Barcelona e foram passear-se (deveras sorridentes: a falta de noção aflige muita gente) para Espanha para a missa fúnebre em memória das vítimas dos terroristas. Dá sempre élan cool ser fotografado com a realeza.