Muitas vezes me espanto pelo ódio que a extrema direita tem aos muçulmanos. É que a direita populista conservadora e o islão de linha dura são muito parecidos. E não me refiro a muçulmanos integrados e pacíficos e moderados como (só um exemplo) Sadiq Khan, o mayor de Londres, e a sua família. Mas àqueles muçulmanos que recusam a integração, se guetizam, se segregam.

A primeira semelhança, refiro-a em lugar inicial depois do atentado terrorista de Christchurch (e da sinagoga em Pittsburgh e…), é a tendência para a violência e a apetência pelo terrorismo. Ambos os grupos, os radicais islâmicos e a direita alternativa e extrema, desumanizam o ‘outro’ e o diferente a ponto de verem sem problemas o seu extermínio, tanto melhor quanto maiores forem os números. Os extremistas islâmicos diabolizam os infiéis, os sunitas odeiam os xiitas; os extremistas de direita execram muçulmanos, negros e toda a variedade de estrangeiros (os ditos ‘invasores’); ambos perdem a cabeça com gays e com mulheres que não se confinam aos papeis tradicionais.

A segunda semelhança – que é prévia à primeira e lhe cozinha o caldo onde a violência se apura – é o deleite com o discurso de ódio. Tal como as mesquitas e madrassas radicalizadas são ótimos locais para infetar as cabeças de muçulmanos ressentidos, também partidos, associações e agremiações diversas são viçosos polos que congregam os ocidentais que – por questões de classe, disfuncionalidade social ou incapacidade de convencer o sexo oposto (é o caso dos incels) – estão ressabiados com as vanguardas da sociedade e os elementos novidade. A internet e as redes sociais juntam quem pensa de forma parecida, reforçam as crenças iniciais de cada um, potenciam os efeitos do tribalismo.

Não tenho muito contacto direto com o discurso de ódio muçulmano. Mas vejo o da direita alternativa com muita frequência nas redes sociais. Basta ver a apologia que se faz de Trump e de Bolsonaro e de produtos tóxicos e viscosos como Milo Yanopoulos, Candace Owens, Steve Bannon ou Stephan Molyneux (a primeira vez na vida que tive o grande desprazer de encontrar esta criatura num vídeo, estava ele, já há uns anos, a propagar a mentira de que grande número das acusações de violação são falsas). Sem surpresa, alguns destes, incluindo Trump, eram influências queridas do terrorista da Nova Zelândia. Não vale a pena tergiversar: o que estes autores propagam, e quem os divulga, é discurso de ódio que promove e potencia violência, exatamente na mesma medida que fazia o infame íman ideólogo do terrorismo da mesquita de Regent Park.

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A terceira é a repulsa que ambos os campos têm pela igualdade de género. As dificuldades do islão com o sexo feminino são conhecidas. Se o leitor não conhece, recomendo a leitura (pesada) de Headscarves and Hymens, Why the Middle East Needs a Sexual Revolution, de Mona Elthahawy e Your Fatwa Does Not Belong Here, Untold Stories From the Fight Against Muslim Fundamentalism, de Karima Bennoune. A crispação da direita populista e hiperconservadora com os direitos das mulheres tem também sido avistada com cada vez mais frequência. Desde agremiações políticas com discursos que promovem a visão dos fascismos sobre as mulheres, até ao bullying concertado nas redes sociais à atividade de mulheres mais mediáticas, obsessões antifeministas, bem como vigilâncias e controlo permanente por pessoas que claramente não digeriram o facto de as mulheres terem voz pública.

Ah, mas ninguém quer que as mulheres andem de burqa ou niqab, por cá. Não? Curioso. Veja-se a quantidade de sites e páginas nas redes sociais, americanos e brasileiros, conservadores, que pregam que as mulheres (as ocidentais, atenção) devem vestir ‘roupa modesta’ e obedecer aos maridos. Até o site de luxo Net A Porter (depois de Natalie Massenet o vender) tem já uma secção de ‘roupa modesta’. Há numerosos sites que vendem este tipo de roupa – pouco justa, comprida, sem decotes, mangas compridas –, tal como grandes armazéns nas cidades americanas. E as clientes não são muçulmanas nem as judias hassídicas.

Não tenho ideias para resolver o extremismo de direita que cresce nos países ocidentais. Desconfio que passará pela direita não extremista deixar de normalizar e justificar – e até usar e apoiar, em se tratando de atacar a esquerda – os discursos radicais à direita. Por ora, vejo demasiada gente dançando com o inimigo, cuidando que o conseguirá controlar. Ou julgando que, na verdade, não propõe nada de grandemente ofensivo.

Para o extremismo islâmico que temos na Europa deixo uma sugestão. Que, de resto nem é minha. Abro um parêntesis. Há uns meses, com uma amiga argelina (que é jornalista no Koweit) e outra alemã (de Colónia), nós, europeias, contávamos à muçulmana (liberal) como eram as comunidades muçulmanas na Europa: mulheres tapadas que não aprendem a língua do país de destino e não têm empregos, assédio feroz nas ruas dos homens muçulmanos às mulheres europeias, dificuldade das autoridades manterem a ordem nos bairros onde vivem. A argelina, profissional prestigiada, estava incrédula. Tem, também, sucedido o curioso facto de os refugiados muçulmanos (por exemplo sírios, que vinham de um país secular e tolerante com as diferenças religiosas) encontrarem nos países europeus um islão mais conservador que o dos seus países.

Como pode ser isso? Yasmin Alibhai-Brown (ela própria uma progressista muçulmana xiita ismaelita), no livro Refusing the Veil, culpa a Arábia Saudita da radicalização da Europa. Os colégios islâmicos e as mesquitas europeias financiados pelos sauditas (com o beneplácito dos governos europeus — petróleo oblige) têm difundido por cá o ultra-conservador wahabismo, tirando a vez a correntes mais moderadas do islão. Com os resultados que se conhecem. Pelo que, como sugere Alibhai-Brown, uma melhoria viria desde logo de impedir que a Arábia Saudita evangelize por cá.