O Bloco de Esquerda vai despedir grande parte dos seus funcionários. Parece que, com os desastrosos resultados das últimas eleições, o BE sofreu um corte substancial na subvenção pública a que os partidos têm direito. Com a consequente diminuição das receitas, vai haver uma redução dos gastos. O Bloco vai reestruturar a sua operação e isso inclui uma onda de despedimentos.

O que é bizarro. Esse tipo de reestruturação é o que acontece numa instituição normal, sujeita à realidade económica: havendo menos dinheiro, gasta-se menos dinheiro, incluindo em despesas com pessoal. Mas o Bloco não é uma instituição comum. Eu estava genuinamente à espera que, havendo menos dinheiro, o Bloco inventasse mais dinheiro. É a habitual solução que propõe para todos os problemas: ir ao multibanco da fantasia e levantar o que for preciso.

Por exemplo, agora que voltou a chover, o Bloco podia perfeitamente ir buscar os potes de ouro que nascem no fim dos arco-íris. De certeza que chegava para pagar as contas. Nem sequer era preciso recorrer à Fada dos Dentes, já que isso implicaria arrancar caninos e molares e toda a gente sabe que o BE não pode prescindir de nenhum dente, pois de vez em quando gosta de mentir com eles todos.

Também é verdade que o BE não ficou sem dinheiro. Recebe menos, mas ainda assim recebe algum. Sendo assim, porque não gastá-lo todo em trabalhadores? Abdicam dos computadores, da mobília, da internet, dos telefones, da electricidade, da água, dos transportes, dos cadernos e das canetas, de chá e de cafés, mas sempre ficam com as pessoas. As pessoas. Acaso as pessoas são menos importantes que material de escritório? E, a partir de agora, os funcionários reúnem-se na sede da Rua da Palma, sentadinhos no chão às escuras, a cantar aqueles divertidos estribilhos que entoam nas manifestações, enquanto concebem os cartazes das próximas campanhas. Cartazes imaginários, claro, que não há dinheiro para outdoors. E ao menos mantêm os empregos.

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Mesmo assim, o Bloco tem sorte em fazer os despedimentos na actual conjuntura. Se estivessem em vigor as alterações à lei laboral que o BE anda há que tempos a propor, teria de pagar muito mais em indeminizações compensatórias. Por acaso, tenho curiosidade em saber: o BE vai indemnizar os funcionários com as paupérrimas compensações da iníqua lei da troika, ou, pelo contrário, vai ressarci-los com as generosas quantias da lei que o Bloco gostava que estivesse em vigor? Conhecendo a pureza moral dos bloquistas, duvido que enjeitem a hipótese de, mais uma vez, dar uma lição ao país através do seu exemplo de integridade.

Porém, não se pode dizer que o Bloco de Esquerda não avisou. Em 2016, Mariana Mortágua preveniu: “Temos de perder vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”. Em 2022, cumpre-se o prometido: nos próximos tempos, os despedidos pelo Bloco vão ter mesmo de ir buscar o dinheiro acumulado ao longo do tempo. Aquilo a que os trabalhadores, na sua falta de sofisticação política, chamam ingenuamente “poupanças”.

Segundo críticos dentro do partido, os despedimentos baseiam-se “na ideia de que deve haver uma «redução do trabalho profissionalizado para aumento da militância», ou seja, com mais trabalho voluntário dos militantes”. Ou, como Catarina Martins dizia há uns anos, com mais “treta”. A líder do Bloco era bastante crítica em relação ao voluntariado, por isso sugiro que os voluntários que vão passar a fazer o trabalho que antes era remunerado evitem cruzar-se com Catarina Martins, não vá ela dar-lhes uma descompostura por participarem na fantochada e atreverem-se a trabalhar de graça. E ainda lhes chama volotários por cima.

Há uns meses, Catarina Martins disse isto: A Altice está num processo de despedir quase 250 trabalhadores, dizendo que os seus postos de trabalho acabaram, quando é mentira, porque está a substituir trabalhadores do quadro por trabalhadores em outsourcing para deixar de pagar salários que em muitos casos nem sequer chegam aos mil euros, e pagar o salário mínimo nacional a trabalhadores que vão fazer o mesmo que estes já estavam a fazer. Repare-se que nem uma multinacional diabólica como a Altice teve a lata de substituir trabalhadores do quadro por voluntários. A Altice fez uma manigância para pagar menos aos trabalhadores, mas ao menos continuava a pagar. Já o Bloco prepara-se para trocar postos de trabalho por borlas. É a subtil diferença entre Altice e alarvice.