Dia 13/02, sábado: acordo bem. Me sento na varanda para tomar sol. Tirando a falta de paladar e de olfato, parece que vou melhorar. Já não sinto dor no corpo, dor de cabeça, dor de ouvido ou calafrios. Talvez tenham sido só esses 4 dias de sintomas. Estou melhorando.

Dia 14/02, domingo: minha sobrinha de 2 anos de liga por vídeo e me diz “eu quero ver”. Pergunto o que ela quer ver e ela diz “seu corona”. Percebo que não são só meus pais que se preocupam. Minhas sobrinhas, minha ex-enteada, todas estão com receio disso. Há uma ansiedade geral sobre mim todo dia. Me sinto culpada.

Dia 15/02, segunda-feira: um amigo me sugere cheirar tangerina, café, mel, essência de baunilha, cravo da índia e vinagre de vinho para ajudar o olfato a retornar. Passo dia fazendo isso. Sai o resultado do teste dos meus pais: negativo. Choro de alívio. O olfato começa a retornar no fim do dia. Coincidência? Não sei. Estou ficando boa, acho.

Dia 16/02, terça-feira: acordo péssima. A respiração curta, o coração disparado. Me sinto realmente mal. Tenho medo de me levantar. Por sorte, havia marcado uma consulta com um pneumologista para essa manhã. Me sento na cadeira da sala e começo a consulta. Passo mal no meio da consulta. Termino a conversa com o médico deitada na cama e com lágrimas nos olhos.

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Dia 17/02, quarta-feira: o médico me tranquilizou na véspera. Tudo esperado, dentro de um quadro não preocupante. E ainda frisou: você não teve febre. Os casos que precisam de internação quase sempre têm febre. Durante a manhã tenho quedas violentas de pressão. Tenho medo de desmaiar sozinha em casa. No início da noite começa a febre. Minha gengiva começa a sangrar sozinha. O médico se preocupa com as plaquetas, pede um exame.

Dia 18/02, quinta-feira: o interfone toca, a enfermeira do laboratório está subindo. É meu primeiro contato humano depois de 10 dias. Tenho vontade de abraçá-la. Tenho vontade de pedir para que ela não vá embora, que almoce comigo, que converse meia horinha comigo. Ela me pergunta “você está sozinha?”, confirmo. Ela responde “é duro, né?”. Meus olhos ficam cheios de lágrimas outra vez.

Dia 19/02, sexta-feira: sai o resultado do exame. As plaquetas estão boas. As gengivas seguem sangrando. A respiração segue curta e insuficiente. Não consigo fazer quase nada. Lavar louça, arrumar a cama, cozinhar. Não encontro posição confortável. Começa uma dor no tórax. Isso nunca vai terminar?

Dia 20/02, sábado: acordo sem dor. Fico feliz. Me levanto e, de repente, as paredes rodam. Tudo gira. Uma tontura violenta. Eu volto para a cama assustada. Falo com o médico. Ele me diz que é frequente o vírus atacar o labirinto. Estou sozinha. Tenho medo de cair. Tenho enjoo. Não consigo assistir televisão. Não consigo ler.

Dia 21/02, domingo: a tontura vai embora. Não tenho dor. Meu paladar e olfato estão quase normais. Mas todos os queijos parecem amargos. Respiro fundo. Vai ficar tudo bem. Estou cansada. Será que vai vir outra fase ruim? Há uma semana eu achava que o pior já tinha passado. Não tinha. Me sinto cansada, mas estou bem. Vamos em frente.

Dia 22/02, segunda-feira: estou bem outra vez. Será possível? Não quero criar esperanças. Amanhã completo 14 dias isolada. Já poderia sair de casa. Não sei se tenho coragem.

Dia 23/02, terça-feira: acordo bem de novo. Consigo falar bastante numa reunião de trabalho online. Me sinto um pouco confusa, mas estou bem. Não sei se quero sair de casa. Saio para caminhar só em frente ao prédio. Me sinto estranha. Parece que vou tropeçar em tudo, tenho medo de cair. Respiro fundo, com medo do que vem pela frente.

Dia 24/02, quarta-feira: trabalho um pouco de manhã, estou bem fisicamente. Me arrumo para ir ao escritório à tarde, me sento no sofá antes de sair. Olho para o relógio: 12h40. Adormeço. Isso nunca me aconteceu. Acordo assustada, sem saber onde estou ou que dia é. Não me reconheço. Desisto de ir ao escritório. Dirijo à noite até a casa da minha irmã. Não consigo dirigir ouvindo música. Quem é essa pessoa?

Dia 25/02, quinta-feira: um amigo me convida para ir ver o mar. Acho que vai me fazer bem. Me sinto bem durante a viagem, embora não consiga falar normalmente ou conectar muito bem as ideias. Entro no mar. Olho para o céu. Respiro fundo. Estou viva. Não tenho mais sintomas. Agradeço. As sequelas vão passar.

Dia 26/02, sexta-feira: vou para o escritório. Por garantia, trabalho sozinha numa sala. Me sinto bem. Não estou cansada, consigo respirar fundo. Faço reuniões por vídeo, consigo concretizar coisas. Num dado momento, paro e penso “amanhã é sexta-feira, dia em que preciso entregar meu texto do Observador”. Passam-se alguns segundos. Percebo que sexta-feira é hoje. Me assusto. Estou confusa. Eu nunca erro os dias. Mas errei. Essa ainda não sou eu. Preciso escrever o texto. Pego um chá. São quase 7 da noite. Estou escrevendo esse texto. Erro muitas vezes na hora de digitar. Estou lenta. Quem é essa colunista que vos escreve? Isso vai passar. Isso tem que passar.