A celebração, este ano a partir de 6 de setembro e por dois dias, do Novo Ano judaico, Rosh-ha-Shana, pode estimular-nos o pensamento sobre a infinita diversidade do mundo. Depois da festa, serão dez dias de oração de arrependimento e expiação até ao jejum de 25 horas do Yom Kippur, Dia do Perdão. Culturas, tradições, práticas religiosas, disciplinas, regras de comportamento, matérias de fé que a minha geração desconhecia, que estavam longe de mim. Nasci, fui criada, formada e educada num país a preto e branco, onde o diferente era estranheza e o estrangeiro era distante.

Agora, que a vertigem dos acontecimentos é ameaça, angústia, terror que a toda a hora nos chega, precisamos de uma palavra de atenção, de um aviso que nos envolva e nos acorde, em procura de uma resposta para a pergunta de qual o papel concreto, possível, urgente que deve ser o de cada um em face das notícias. Verdadeiras ou não, servindo interesses, ditadas por causas justas ou injustas? Como resistir na poluição dos dados, no ruidoso barulho dos números, das estatísticas, das reportagens desordenadas? No excesso de informação, nas falsas fontes de referência, na violência do ódio anónimo nas redes sociais? Na banalidade em que tudo se transforma, porque se tornou rotina, porque já não provoca emoção a quem, à distância, vive as suas próprias ansiedades e preocupações?

Haja, apesar de tudo, uma palavra de serenidade, de reflexão, que possa ser de esperança. Assim, retomo o mais recente apelo do Papa Francisco, em momento de celebração no domingo passado, para que muitos países acolham, integrem, protejam todos aqueles que, neste tempo de perda e luto, de fragilidade e sofrimento, se movem e lutam e procuram uma geografia, um espaço, um lugar, uma morada  de sobrevida, em dignidade. Estes são “momentos turbulentos,” diz o Papa, em que “a surdez interior é pior que a física.”

Quando cheguei ao Brasil em 1975, na gigantesca cidade de São Paulo percebi as diferenças, os desconhecimentos, as complementaridades, as linguagens. A celebração da festa judaica, fez-me agora reencontrar o cenário que me impressionou nessa fase de espanto que então vivi, em descoberta da diversidades. Tomo a liberdade de citar um momento casual, no cotidiano do meu bairro:

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“Na sexta feira, 4 de setembro de manhã, chegando ao cabeleireiro, achei que o ambiente estava mais agitado do que de costume. Havia mais gente, risos e gestos de euforia. Falava se de réveillon, de preparativos, de roupas, de decoração, de receitas de doce, do melhor açougue/talho kosher. As clientes eram mulheres judias, prósperas e estupendas, a pentearem-se para a festa. Todas se desejavam Feliz Ano Novo, estávamos no dia do Rosh-ha-Shana, celebrado em data móvel pelo calendário lunar de cada ano. Chegando a casa, soube que o editor Bucharsky estava a fechar a loja ao meio-dia e tinha desejado Bom Ano.”1

Assim descrevi e escrevi sobre o tão extraordinário que tudo me parecia, no aprendizado da nova realidade.

[1] Leonor Xavier, Casas Contadas, Edições Asa, 2009