A queda das bolsas desta semana é um aviso. Após dois anos de “prosperidade”, os investidores financeiros começam a ficar nervosos. E os governantes também. Por cá percebemos que a banca resolveu os riscos de colapso mas ainda tem muitos problemas herdados do passado – o crédito malparado – e um futuro que ameaça tirar-lhe, aqui e no resto do mundo, o que dá dinheiro. Assim como se compreendeu que o Presidente da República tem dúvidas sobre a sustentabilidade desta recuperação económica, mas o ministro das Finanças claro que não.

Comecemos pela queda na bolsa. Os mercados financeiros têm aquela terrível característica de viverem exactamente aquilo em que a maioria acredita. Na segunda-feira, os norte-americanos regressados do fim-de-semana resolveram que o melhor era darem umas boas ordens de venda de acções e as bolsas deram um trambolhão, contagiando depois a Ásia e a Europa na terça-feira. Terão pensado, “vem aí a inflação” (e com ela o aumento dos juros) por conta de uma subida dos salários em Janeiro, nos Estados Unidos, superior ao esperado – aumentou 2,9%, esperava-se 2,7%.

O que se vai passar exactamente, ninguém sabe. É um pequeno susto e as economias, com especial relevo para a americana, estão suficientemente sólidas para aguentarem mais inflação e juros mais altos sem que isso ameace o crescimento? Os bancos centrais sabem que terão de desligar a máquina do dinheiro, a que têm estado ligadas as economias do Euro e dos Estados Unidos. A preocupação é como fazer isso sem ameaçar o crescimento. E a queda dos mercados accionistas, no início desta semana, mostra que têm razões para estarem apreensivos.

Regressados a Portugal, o pior que nos podia acontecer era, de repente, os Estados Unidos serem atirados para uma crise. Como o demonstrou a crise financeira iniciada em 2007, a Zona Euro não conseguiu acabar com a máxima: “quando os Estados Unidos se constipam, a Europa apanha uma pneumonia”. E sem crescimento na Zona Euro a economia portuguesa não cresce.

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É aqui que vamos dar à intervenção do Presidente da República na “Banking Summit” esta terça-feira dia 6 de Fevereiro. Marcelo Rebelo de Sousa descreveu os últimos dois anos dando como habitualmente uma no cravo, outra na ferradura. Sobre as finanças públicas, defendeu que, o que temos hoje, vem de um caminho trilhado pelo anterior Governo. No sector bancário, falando para os banqueiros que devem aprender lições com o que se passou, citou os cinco casos cujos problemas foram sendo resolvidos mas sem os nomear, num código que aqui tentamos decifrar.

Lembrou o Presidente que o ano de 2016 começa com “os efeitos da resolução no final de 2015”, ou seja e traduzindo, o caso Banif. Em segundo lugar assistiu-se à “indefinição e necessidade de recapitalização de instituição pública” (numa alusão à CGD). Vivia-se, diz, a “recente frustração de venda de instituição sucessora de outra resolvida em 2014”, isto é, o fracasso da primeira tentativa de venda do Novo Banco. Além disso, diz, a “ponderação quanto ao capital e titularidade de uma quarta” instituição, pressupondo-se que se está a referir ao BPI e aos problemas que o La Caixa teve para comprar a posição de Isabel dos Santos e ficar menos dependente de Angola, como exigia o BCE. E, finalmente, mais uma vez a CGD, quando diz que se assistiu ainda à “querela, que acabaria por ser também jurídica, no domínio da liderança de uma quinta” instituição financeira. Escaparam às referências do Presidente o BCP e o Santander Totta.

Tudo foi ultrapassado. Obviamente que, na lista que fez, o Presidente omitiu um problema que ainda não está resolvido e que constitui um dos maiores riscos que se conseguem identificar neste momento: o caso da Caixa Económica Montepio Geral (o outro risco identificado é a Autoeuropa). Como omitiu o problema que se está a deixar que seja resolvido pela conjuntura económica e por algumas vendas a fundos, que são feitos de dinheiro dos bancos, e que se chama crédito malparado.

Mas o importante está no desafio que o Presidente deixou: “Portugal pode dispor de uma oportunidade única para se afirmar, virando definitivamente a página das crises endémicas, dos adiamentos, dos conjunturalismos, das soluções para o imediato”.

A questão que se coloca é se ainda tem essa oportunidade única ou se a deixou passar. O ministro das Finanças, que falou na mesma “Banking Summit” no dia seguinte, considera implicitamente que se aproveitou e está a usar bem o tempo, defendendo que estamos perante mudanças estruturais.

Mas no sector bancário estamos longe de ter realizado qualquer mudança estrutural. Os bancos evitaram basicamente o precipício mas ainda estão muito frágeis, nomeadamente porque não há, de facto, nenhuma solução para o crédito malparado. A “plataforma”, como todos a designam, não parece passar disso mesmo, de um nome. Aquilo que os bancos com problemas estão a conseguir fazer é emagrecer – o que já é bastante – e aproveitar a boa conjuntura do imobiliário para venderem as casas ou terrenos com que ficaram na crise. Mesmo a CGD, que no fim da semana passada revelou ter conseguido obter um lucro da ordem dos 50 milhões de euros, obteve-o graças à actividade internacional, já que em Portugal registou ainda um prejuízo da ordem dos 175 milhões de euros.

Sem a casa ainda arrumada, os bancos enfrentam uma pressão sem precedentes da inovação tecnológica que foi bastante clara na “Banking Summit”. Correm o sério risco de verem o negócio que dá dinheiro ser abocanhado pelas tecnológicas financeiras, enquanto gastam as suas energias, e o pouco dinheiro que ganham, a limpar o passado e a organizar a casa para responder à fúria regulamentar dos supervisores.

Se no domínio bancário estamos ainda longe de ter afastado o perigo, no resto da economia mantém-se um enorme ponto de interrogação. As finanças públicas têm ainda de provar que resistem à subida das taxas de juro. Mário Centeno apresenta como argumento o facto de os juros da dívida pública terem descido, apesar de o BCE estar a comprar menos. Mas sabe que o desafio ocorrerá no momento em que o BCE desligar essa máquina de fazer dinheiro e começar a subir os juros.

No sector privado, a locomotiva está no turismo e na escolha que alguns estrangeiros fizeram por viver em Portugal, em grande parte pela insegurança, ou dos tradicionais destinos turísticos ou dos sítios onde viviam. Estamos apenas na moda ou este movimento veio para ficar? Não sabemos. Mas de estrutural tem muito pouco.

Com o sector financeiro ainda neste estado, as finanças públicas dependentes do crescimento e dos juros baixos e o resto da economia suportada pelo turismo, Portugal está ainda longe de ter boa parte do trabalho de casa feito para enfrentar uma nova crise. Um abalo financeiro nos Estados Unidos, que ameace este bom tempo económico que estamos a viver, é tudo aquilo de que não precisamos nem aguentamos neste momento. O Presidente pode não o dizer, mas sabe com toda a certeza que esta oportunidade está em risco de ser perdida, outra vez, como outras já o foram no passado.