A razão pela qual haverá cerca de 500 mil portugueses e descendentes de portugueses na Venezuela é que esse país, há quarenta anos atrás, era um dos mais prósperos do mundo, com um PIB per capita superior a Portugal. A razão pela qual, desses portugueses, pelo menos seis mil já regressaram à Madeira, é que, na última década, a Venezuela experimentou uma quebra do PIB per capita de 40%, equivalente à da Síria. Mas a Síria teve uma guerra civil. A Venezuela teve apenas um governo socialista. Socialista? Sim, socialista. Ou nacionalizar, condicionar e subsidiar já não é socialismo? É socialismo, claro, e por isso tantos esquerdistas se entusiasmaram com a “revolução bolivariana”, a começar por Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, o maior partido da esquerda europeia, e Bernie Sanders, que poderia ter sido o candidato dos Democratas à presidência dos EUA em 2016.

E não, não foi a quebra do preço do petróleo que destruiu a Venezuela. Nem sequer as sanções americanas. Outros países produtores, sujeitos a sanções muito mais violentas, como o Irão, não desceram até ao caos venezuelano. Foram as expropriações, o controle e o despesismo chavistas que demoliram a economia. O petróleo apenas encobriu a ruína durante uns anos. É verdade que as dificuldades da Venezuela não começaram com o chavismo. Mas se os chavistas, em 1998, encontraram um sistema corrupto, uma sociedade desigual e uma economia em decadência, o que fizeram foi agravar a corrupção, aumentar a desigualdade e, por fim, transformar o declínio numa catástrofe.

Dez por cento da população já fugiu do país. Neste momento, há, na Assembleia Nacional, um polo de poder paralelo, aplaudido nas ruas e reconhecido por muitos governos ocidentais. Para muitos comentadores, será por isso uma questão de tempo até o exército largar Maduro. Talvez. Esperemos que sim. Mas não tenhamos ilusões. No Ocidente, vigora ainda o romantismo político da “Primavera dos Povos” de 1848. Em 2011, durante a Primavera Árabe, toda a gente se preparou para a queda de Assad na Síria. Oito anos de guerra depois, Assad limpa as cinzas da rebelião.

A primeira ilusão é pensar que o chavismo não pode ir mais além. Sim, os chavistas praticam fraudes eleitorais, calam a imprensa, prendem opositores, e espancam e matam manifestantes. Mas a República Bolivariana ainda não é uma ditadura de tipo soviético, como Cuba. Há uma Assembleia Nacional com uma maioria da oposição, mesmo que desrespeitada, e manifestações de protesto, mesmo que reprimidas. Isto quer dizer que resta uma opção aos chavistas: aumentar a tirania, e esperar que o êxodo e o exílio esvaziem a contestação. Como Chavéz, Maduro surpreende pelas suas excentricidades. Mas é um revolucionário profissional, treinado em Cuba e com o apoio cubano. Não vai certamente ficar à espera de que os oficiais do exército mudem de opinião. Dir-me-ão: um regime mais fechado e violento seria mais ilegítimo. Talvez, mas na Síria, o carniceiro Assad pisou todas as “linhas vermelhas” de Obama, e por lá continua. Não subestimemos um poder determinado em sobreviver.

A Venezuela não é a Síria, até no sentido em que tem memória de uma democracia pluralista. A América Latina também não é o Médio Oriente. Mas essa pode ser a segunda ilusão. Os salvadores de Assad na Síria já surgiram a amparar Maduro. A Rússia, a China e o Irão talvez não tenham interesse em deixar cair um Estado cliente, em que investiram bastante, e podem ter força para o manter. O Ocidente não é o mundo todo, como parecia ser nos anos 90, nem tem a mesma confiança em “mudanças de regime”, nem talvez interesse numa “crise do petróleo”. Talvez por isso, a expectativa de uma iniciativa americana parece depender muito da suposta impetuosidade de Trump. Repito: esperemos que tudo mude na Venezuela. Mas a esperança não deve ser feita de ilusões.

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