Armamento, armas atómicas, armas nucleares, todas estas expressões se usaram a propósito de um documento discutido a semana passada na Assembleia Municipal de Lisboa. A Moção “Pela Eliminação das Armas Nucleares!”, apresentada pelo PEV, propunha apelar ao governo para a assinatura e ratificação do Tratado sobre Proibição de Armas Nucleares. Um texto sem pés nem cabeça, no rosário de argumentos como na parte deliberativa, pelas razões que toda a gente conhece. Até aqui, nada de surpreendente. A extrema-esquerda passa a vida a pedir o desarmamento, falando com suave impiedade, auxiliada pelo esmero da delicadeza. O que ela não quer é armas nucleares na posse das democracias liberais.
Nunca se viu a extrema-esquerda pedir o desarmamento da URSS e dos países do Pacto de Varsóvia. Como agora não pede o desarmamento da Rússia do torcionário Putin, da Coreia do Norte, do Irão, do Hamas, do Hezbollah, nem de nenhuma das ditaduras ou dos selvagens de quem a extrema-esquerda gosta. Na opinião da extrema-esquerda, todas as armas – nucleares ou outras – nos países comunistas ou despóticos, ou nas organizações terroristas, “estão em boas mãos”. Deste lado é que jamais. É preciso que as armas nucleares estejam no Leste e os pacifistas aqui no Ocidente, como um dia sintetizou o sr. Mitterrand.
Tudo isto foi muito bem explicado pelo deputado Carlos Reis, do PSD, que é uma pessoa culta, inteligente, e com sentido político. E não se costuma engasgar.
A parte notável chegou a seguir, com a posição do Partido Socialista, pela voz de José Leitão, que veio concordar com o documento da extrema-esquerda em tudo. Citou Sophia de Mello Breyner, e a Cantata da Paz, e descreveu o horror da bomba de Hiroshima, que “reduziu a cinzas a cara das crianças”, e não deixou por levantar nenhuma pedrinha de sentimentalismo indigente. Citou António Guterres, e os discursos em que ele se cobre de irrelevância perante a Assembleia Geral da ONU, gemendo contra o clima e contra Israel, ao ponto de se ver proibido de lá entrar. O deputado do PS trazia as suas próprias grandiloquências, para as quais tem um jeitão, e vale a pena citá-lo agora a ele, porque declarou o seguinte: “As armas nucleares são uma ameaça para toda a humanidade, que não pode ser ignorada; e a sua eliminação é um imperativo moral e humanitário”.
Quanto à ratificação do Tratado, o PS só via um problema: a Assembleia Municipal de Lisboa “não tem condições nem competência para o aconselhar ao governo”…
Mentira. Tem todas as condições e competência para aconselhar, pedir, exigir ao Governo da República tudo o que entender, para isso é que servem as Moções. Existe uma percepção generalizada de que os órgãos só devem discutir assuntos que caibam na sua tutela. Um erro, de que aliás o PS faz uso para efeitos de demagogia e para justificar posições cobardes ou ardilosas como esta sobre as armas nucleares. Na verdade, podemos e devemos tomar posição sobre tudo o que se passa no mundo da política, como os partidos bem sabem. E nenhuma limitação de tutela deve diminuir o que pensamos, nem aquilo que os deputados devem manifestar em nome dos eleitores que representam. Por isso os partidos escrevem Moções, usam exemplos externos para elogiar ou repudiar certas políticas, homenageiam alguns, execram outros, e nada disto é estranho às democracias maduras e civilizadas.
O PS vai com 50 anos de duplicidade no Governo e no Parlamento da República, mas também nas autarquias, sobretudo a de Lisboa pela visibilidade dos líderes e pelo carácter de ensaio de alianças e comunhões várias com a extrema-esquerda. Julga, com razão, que no plano municipal pode adornar à esquerda e ao puritanismo woke à medida da sua vontade ou conveniência, porque ninguém quer saber. O jornalismo dá pouca importância ao que se passa em Lisboa, e isso tem resultados espantosos na incompreensão que os jornalistas e comentadores expressam sobre o PS.
PS ao qual, de resto, deixo duas perguntas. Primeira: Portugal, em 2021, assinou e ratificou ou não este Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares? Em 2021 governava o PS; e se bem me lembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, preferiu explicar ao bom povo porque é que Portugal não podia assinar o Tratado. Aparentemente, o PS esqueceu-se de onde deixou guardados os “imperativos morais e humanitários”. Porque se era essa a opinião do PS, teve em 2021 oportunidade de lhe dar consequência. Não sendo, fica por esclarecer porque é que vai para a Assembleia Municipal de Lisboa dizer aquelas baboseiras. O que nos leva à segunda pergunta: O PS quer ou não quer que Portugal se mantenha na NATO, em aliança formal e militar com vários países que são potências nucleares?