1 O processo de degradação em curso agrava-se. Apesar da humildade e da suspensão provisória (e tática) da arrogância, dos recuos estratégicos para aliviar a pressão — nota-se claramente o cansaço e a desilusão.
António Costa até mudou o tom. Adotou um registo humilde, recuou e está a tentar mudar de trilho. O problema, contudo, é que os portugueses já não acreditam neste Governo — e já não o ouvem.
Os comentadores que durante anos bajularam o suposto génio político de António Costa também já não conseguem defender o indefensável.
Quando assim é, caro leitor, há muito pouco a fazer. É só uma questão de tempo. Sejam os 365 dias de que falei aqui, sejam dois anos ou até mesmo poucos meses. O processo de degradação em curso irá terminar com o óbvio: a queda do Governo.
2 Há um momento que é fatal para qualquer político: quando as pessoas, os destinatários das suas mensagens, deixam de o ouvir. Independentemente do valor das suas ideias, a mensagem é praticamente ignorada ou, pior, lida ao contrário. E essa é a prova de como a crise política a prazo é inevitável.
Veja-se o que aconteceu ao circuito que foi transformado num processo de verificação dos candidatos ao Governo. Ao contrário da opinião vigente, não considero que o famoso questionário de 36 perguntas seja uma má ideia. Penso mesmo que, face à urgência criada pela sucessão de casos com novos membros do Governo, exigia-se uma solução desta natureza que fosse assumida de forma transparente — como foi com a publicação em Diário da República.
Com tempo e reflexão, podemos construir eventualmente um sistema de controlo parlamentar dos membros do poder executivo que pode passar apenas pela audição dos ministros na Assembleia da República. Um sistema que necessita de tempo e de um acordo entre o PS e o PSD para ser construído de forma sólida. Até porque reforçará um aprofundamento do parlamentarismo do nosso sistema político que merece a devida ponderação.
O problema é que a credibilidade do Governo está de tal forma degradada que até os apoiantes do PS no espaço público arrasaram de forma clara com a ideia do António Costa. E esse é um sinal político claro de como a base social de apoio do Executivo está em processo acelerado de erosão.
Mesmo o próprio António Costa está a ser diretamente afetado na sua credibilidade, após semanas consecutivas de disparates extraordinários. Só um fanático socialista, semelhante aos maluquinhos das claques de futebol, pode ficar cego perante esta calamidade política.
3 A crítica mais comum dos comentadores ao famoso questionário tem sido o escrutínio exagerado que o mesmo pressupõe, visto que nenhum membro da sociedade civil quererá se submeter a um suposto vexame de ter que responder ao questionário.
É verdade que, como é costume em Portugal, podemos ter passado o 8 para o 80. Antes nada se fazia, para agora tudo se exigir. Admito a crítica.
O que não deve ser dito é que o escrutínio em si mesmo é mau — como está subjacente em muitas dessas censuras.
Ironicamente, muitos dos comentadores que fazem a crítica são os mesmos que pensavam que alguém dos partidos que costumam formar Governo fazia alguma espécie de pré-escrutínio dos membros do Executivo. Pelo menos, percebeu-se que António Costa não faz — nem nunca terá feito.
Como a ignorância é atrevida, provavelmente são os mesmos que não sabem que Portugal tem um sistema efetivo de combate à corrupção que se baseia muito na troca de informação entre o sistema financeiro (vulgo, bancos) e a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Judiciária — o que permite conhecer em tempo real os movimentos financeiros suspeitos superiores a 15 mil euros. É assim que muitas das investigações económico-financeiras começam ou se desenvolvem.
Como também não sabem como as obrigações declarativas dos membros do poder executivo (e de outros poderes públicos) já incluem os seus familiares diretos e indiretos no âmbito das regras de combate ao branqueamento de capitais.
Isto para falar de mecanismos que não são tão conhecidos como as declarações de rendimentos que são depositadas no Tribunal Constitucional.
4 O outro lado do mecanismo de verificação aprovado pelo Conselho de Ministros — e esse, sim, claramente criticável — é outro. E demonstra, uma vez mais, como a desresponsabilização é uma forma de vida para António Costa.
De uma forma simples: Portugal tem um primeiro-ministro que não é responsável por nada, a começar pela formação do seu próprio Governo.
Como Mariana Vieira da Silva fez questão de explicar, o questionário responsabiliza os candidatos (ok, tudo bem) mas quem se responsabiliza pelos secretários de Estado? Os ministros — e não o primeiro-ministro que, segundo a Constituição, é o responsável por todo o Governo.
E se forem prestadas informações falsas? Há sanções? Depende do que se tratar, diz a ministra. Acresce que, como é um “processo político”, ninguém verificará as respostas. Portanto, será mais uma forma de desonerar o Executivo de responsabilidades.
Por outro lado, soubemos por várias notícias, nomeadamente no Expresso e Público, que o questionário não foi a primeira opção de António Costa, como o próprio já tinha admitido no Parlamento. E qual foi a opção? A opção perfeita para quem adora sacudir água do capote, como é o caso de Costa.
Então não é que o primeiro-ministro queria que o presidente do Tribunal Constitucional (um tribunal que zela pela cumprimento da Constituição) e a procuradora-geral da República (líder do Ministério Público, o órgão do Estado que detém a tutela da ação penal) fizessem o especial favor de verificarem e avaliarem as declarações dos membros do Governo indigitados?!
O resultado prático seria algo deste género: Costa convidava 18 ministros, estes convidavam 40 secretários de Estado, todos preenchiam um questionário parecido ao que foi aprovado e o primeiro-ministro mandava tudo para o Tribunal Constitucional e para a Procuradoria-Geral da República — que, na prática, decidiriam a composição do Governo de António Costa. Não é extraordinário este pensamento?
De facto, é uma espécie de última prova (se é que era necessário mais alguma) de que a desresponsabilização é uma forma de vida para António Costa.
5 Para agravar o processo de degradação em curso, começam a sair as primeiras sondagens que revelam uma queda muito significativa do PS nas intenções de voto, como seria de esperar. O barómetro da Intercampus para o Correio da Manhã/Jornal de Negócios dá o PS e o PSD separados em dezembro por apenas 1,4%.
A insatisfação social também começou a dar mostras nos últimos dias, com uma greve muito relevante dos professores. Greve esta é um pau de dois bicos para o Governo.
Por um lado, mostra uma corporação fundamental como os professores muito insatisfeita na rua — com tudo o que isso tem de negativo para a imagem de um Governo conhecido pelo diálogo com os sindicatos e com a aliança com o PCP e o Bloco de Esquerda que lhes proporcionou paz social.
E, por outro lado, as greves afeta diretamente milhares de famílias que têm de ficar com os seus filhos menores. Há mesmo pontos do país (como o Algarve) em que, greves conjugadas entre professores e funcionários das escolas, deixaram crianças sem aulas desde de Dezembro. A insatisfação social dos pais também é relevante.
As notícias da frente económica, com uma descida lenta mas progressiva da inflação (9,6% em Dezembro) e dados mais animadores da actividade económica na Alemanha e em Portugal relativa ao último trimestre, não chegam para atenuar o problema em que o Governo de António Costa se meteu.
Veremos se as próximas semanas trazem tempos mais calmos para o Executivo que permitam uma estabilidade mínima para assegurar a governabilidade do país.
Como já escrevi nesta coluna, não há condições para eleições antecipadas a breve trecho. Mas há uma maioria absoluta do PS que tudo fará para se manter no poder. Com ou sem António Costa.
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