O que pretendem Grécia e o Eurogrupo com as negociações? Esta é a pergunta fundamental para perceber o que está a acontecer nos palcos europeus. De facto, é fácil falar da derrota de Tsipras – absoluta e inequívoca ao propor um programa de austeridade que foi rejeitado em referendo – mas o desgaste político destas negociações atingiu todos e, nesta fase, deixou de haver vencedores. O que sobressai das negociações é mesmo que ninguém realmente quer um acordo, embora todos reconheçam a sua necessidade – por razões diferentes. Do lado grego, porque isso traduz-se em financiamento a curto prazo. E, do lado europeu, não somente porque um Grexit pode ter consequências imprevisíveis como porque um acordo significa vincular o Syriza à austeridade e prevenir o contágio político a Espanha. Ou seja, a concretizar-se o acordo, este não será mais do que a forma encontrada para ambas as partes gerirem as respectivas situações e minimizarem os danos até à provável ruptura.

Comecemos pela Grécia. A súbita abertura de Tsipras a um acordo, e logo nos termos que o próprio rejeitou em campanha do referendo, não se deve naturalmente à sua conversão ideológica, muito menos à saída de Varoufakis do ministério das finanças. Deve-se ao seu pragmatismo perante uma situação desesperada: o acordo é a única via possível para financiar a curto prazo as necessidades imediatas da Grécia, impedindo a falência dos seus bancos e o descontrolo da situação social no país. Com o dramatizar das posições, sobretudo após o referendo, Tsipras viu-se entre o abismo e o acordo. Escolheu o acordo, enquanto mal necessário e solução instrumental. A dúvida que permanece na cabeça de todos é se, mais à frente, menos aflito de finanças, não preferirá mesmo o abismo.

Da perspectiva europeia, há muito em jogo acerca do futuro do projecto europeu, já se sabe. Mas a verdade é que, na sala de reuniões onde as decisões se tomam, a palavra dos gregos vale zero e são inexistentes as esperanças de que seja encontrada uma resolução sustentável para a situação da Grécia. Até se podem discutir os detalhes técnicos e financeiros, mas a ausência de confiança é um obstáculo fundamental e inultrapassável. O ponto é que qualquer solução real para a Grécia teria inevitavelmente de passar por um governo reformista e determinado no cumprimento dos memorandos associados ao financiamento das instituições internacionais. Ora, já se percebeu que o Syriza não tem essa determinação, muito menos esse espírito reformista – recorde-se, por exemplo, que muitas das suas promessas eleitorais consistiram na reposição de postos de trabalho na administração pública ou no cancelamento de privatizações. Agora que o referendo reforçou a posição de Tsipras e garantiu que o Syriza está para ficar, ninguém na Europa dá grande crédito ao que eventualmente ficar acordado no papel – por mais garantias políticas que sejam exigidas ao governo grego.

Assim sendo, o que mantém o Eurogrupo à mesa das negociações é sobretudo a minimização dos danos políticos, tanto em termos da imagem de solidariedade das instituições europeias, como em termos de risco de contágio para as eleições espanholas (em finais de Dezembro). É uma espécie de luta pelos mínimos olímpicos. Por um lado, vincular Tsipras a um conjunto de reformas exigentes, mostrando que, no quadro da união monetária, não há alternativa à austeridade. Por outro, gerir o calendário das avaliações regulares do cumprimento das metas, na expectativa de que os gregos não cumprirão e que as tensões voltarão a Bruxelas. Basicamente, a negociação converteu-se num jogo táctico, em que o objectivo é ganhar tempo até que a ruptura seja inevitável e forçada pelos próprios gregos.

É irónico que, durante meses, tenham sido muitas as vozes que pediram que a negociação deixasse de ser técnica e passasse a ser política. Ora bem, ela agora tornou-se política e, depois de Tsipras e Varoufakis apelarem ao orgulho nacional dos gregos no referendo, outros nacionalismos europeus acordaram. E o problema é o de sempre: uns querem receber e outros não querem pagar. Goste-se ou não, a democracia também é isto. Entretanto, o ponto a que se chegou não deixa dúvidas: a haver acordo, ninguém acreditará no que ficar assinado. Com o Syriza no governo, o Grexit não sairá do horizonte.

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