1 Não sei exactamente quais terão sido os objectivos da (inteiramente legítima) recente visita à China do Presidente francês Emmanuel Macron. Um dos possíveis objectivos poderá ter sido a obtenção de central protagonismo mediático internacional. E este (também legítimo) objectivo terá sido seguramente alcançado, mas talvez não no sentido desejado por Macron: as críticas dominaram os media europeus e ocidentais.

Tenho a fraqueza de acreditar que a generalidade destas críticas é inteiramente justificada.

2 Em primeiro lugar, e sobretudo, Macron literalmente exibiu uma quebra de maneiras que julgávamos incompatível com o cavalheirismo gaulês. Fez-se acompanhar por uma distinta, e por sinal muito elegante, senhora – a alemã Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia. Mas, depois, aceitou que a mal-educada ditadura comunista chinesa excluísse a senhora da maior parte dos eventos diplomáticos.

Isto seria, só por si, uma chocante falta de maneiras, em flagrante contraste com as civilizadas tradições gaulesas e europeias. Acresce que os bárbaros comunistas chineses se apressaram a sublinhar a rudeza com que excluíram a senhora da maior parte das cerimónias diplomáticas. Disseram eles que Ursula von der Leyen era uma “porta-voz do imperialismo americano” – ainda que, indiscutivelmente, ela seja a Presidente da Comissão Europeia.

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3 Pior ainda, em segundo lugar, o Presidente Macron não só não se distanciou da falta de maneiras dos ditadores comunistas chineses, como ainda conseguiu implicitamente (ainda que possa ser admitido não intencionalmente) legitimá-la.

Numa entrevista no voo de regresso a Paris, Macron terá dito que “o grande risco para a Europa é que ela seja apanhada em crises que não são nossas [numa chocante referência à ameaça comunista sobre a democrática Taiwan e num chocante silêncio sobre a infame invasão da Ucrânia pela Rússia], o que nos impediria de construir a nossa autonomia estratégica”. A seguir, disse que “a Europa não deve ser vassala nem dos EUA nem da China” (cito a partir do FTWeekend de 15/16 de Abril, p. 5).

4 Há aqui um equívoco clamoroso que não pode passar incólume – e que a generalidade da imprensa europeia e ocidental certeiramente detectou.

Uma coisa, inteiramente legítima e altamente estimável, é a ambição europeia de garantir a sua autonomia estratégica. Outra coisa, totalmente diferente e chocantemente errónea, é identificar a autonomia estratégica da Europa com uma espécie de equivalência moral e política entre a democracia americana e a ditadura comunista chinesa.

5 Como escreveu o britânico Timothy Garton Ash – um europeísta convicto e contundente crítico do Brexit – as declarações e o comportamento de Macron enfraqueceram seriamente a unidade europeia e a muito desejável autonomia estratégica da Europa, que Macron diz defender:

Podemos realmente unir a opinião pública europeia — mas apenas em torno de uma posição Euro-Atlantista, não em torno de uma posição Euro-Gaullista. Macron, por isso, demonstrou brilhantemente a verdade da tese diametralmente oposta à sua.

Tim Garton Ash, a propósito, será o anfitrião do 14º Dahrendorf Colloquim que terá lugar em Oxford nos próximos dias 28 e 29 do corrente mês de Abril, sob o tema geral “Europe and Freedom”. No dia 28, Tim proferirá a “Dahrendorf Lecture” sob o título “Europe, Whole and Free”. Participarão no evento, entre outros, Anne Applebaum, Timothy Snyder, Ivan Krastev e Francis Fukuyama. [Espero conseguir reportar brevemente o evento na minha próxima crónica, a 1 de Maio].

6 Vale a pena reafirmar que no centro de todas estas controvérsias está a questão crucial da escolha moral e política entre a democracia liberal e os seus inimigos – parafraseando o título do muito marcante e inspirador livro de Karl Popper, A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos (1945).

Creio que Tim Garton Ash colocou muito acertadamente a questão no final do seu livro Homelands: A Personal History of Europe [cuja edição portuguesa ele apresentará na 14ª Dahrendorf Memorial Lecture, no âmbito da 31ª edição do Estoril Political Forum, no Hotel Palácio do Estoril, em 26-28 de Junho próximo, sob o tema global “Rebuilding Democratic Consensus — At Home and Abroad & Celebrating the 650th Anniversary of the Anglo-Portuguese Alliance”].

Escreveu Tim, a concluir o seu livro:

A Europa de hoje, com todas as sua falhas, limitações e hipocrisias, com todas as suas dificuldades dos anos recentes, é ainda muito melhor do que aquela que eu comecei a explorar no início da década de 1970, sem falar do inferno que o meu pai encontrou quando jovem [o pai de Tim participou como militar britânico na primeira vaga do desembarque na Normandia, a 6 de Junho de 1944]. É também melhor do que a Europa dos séculos anteriores, incluindo a Europa pré-1914, idealizada por Stefan Zweig.

De facto, adaptando a famosa frase de Churchill sobre a democracia, podemos dizer que esta é a pior Europa possível, com excepção de todas as outras Europas que foram tentadas ao longo dos tempos. Defender, melhorar e ampliar uma Europa livre faz sentido. É uma causa merecedora de esperança”.