Há indicadores que falam por si: em 2021, 24,3% dos alunos matriculados no ensino secundário estavam a frequentar escolas privadas. Em democracia, não há registo de uma percentagem tão elevada. E, comparativamente aos anos 2016 a 2020, que estabilizaram entre os 21,3% a 21,5% de alunos do secundário em escolas privadas, o valor de 2021 representa um aumento súbito de cerca de 3 pontos percentuais — uma enormidade. Só entre 2008 e 2009 se observou uma subida desta escala, com a nuance de que, nesse período, a frequência massiva de adultos, no âmbito do Novas Oportunidades, terá inflacionado os dados. Ou seja, os indicadores actuais são realmente fora do normal.

A questão não está em discutir se o sector privado é melhor do que o sector público — ou vice-versa. Essa é uma discussão irrelevante, pois há escolas boas e menos boas de ambos os lados. A questão está em perceber o seguinte: a partir de 2021, em contexto de pandemia, algo mudou para pior na percepção da população face à qualidade da oferta das escolas públicas. Ou seja, aumentou a percepção nas famílias de que, para proteger os interesses educativos dos seus filhos, deveriam matriculá-los numa escola privada. Isto pode ser justo ou injusto para o trabalho na rede pública — haverá casos e opiniões para todos os gostos. Mas, opiniões à parte, o valor recorde em 2021 de percentagem de alunos no ensino privado tem significado: expõe um aumento da desconfiança face às escolas públicas. Sobre o Estado da Nação na Educação, eis um dado que não se deve ignorar.

Por que razão tal sucedeu? Entramos no campo da especulação. Aqui vão os meus dois tostões. São vários e diversos os desafios que a Educação tem pela frente — no imediato e a longo prazo. Mas, olhando para o imediato e para o contexto da pandemia, há pelo menos dois que são incontornáveis. Primeiro: a capacidade de resposta perante às restrições para a contenção da pandemia (isolamentos, acompanhamento dos alunos, implementação de ensino a distância) e recuperação da aprendizagem após três anos lectivos afectados por essas restrições. Segundo: suprir (em número e em qualidade) as necessidades de contratação de professores, face ao envelhecimento dos quadros e tendência crescente nas aposentações. Em ambos os desafios, a percepção favorece as escolas privadas — que tiveram mais meios para ultrapassar os obstáculos da pandemia e que não deixam os seus alunos sem professor durante semanas. No ensino secundário, quando está em causa a preparação para exames nacionais de acesso ao ensino superior, estes dois pontos poderão ter sido decisivos.

No plano das políticas públicas, isto implica também que estes desafios estruturais estão à vista de todos — o diagnóstico destes desafios (escassez de professores e recuperação de aprendizagem) está relativamente consensualizado. Mas, então, que soluções estão a ser postas em prática?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No governo, a preparação do próximo ano lectivo está focada em garantir que haverá professores em número suficiente nas escolas, através de medidas que servem de penso-rápido, enquanto se adiam reformas estruturais para um problema que se anuncia urgente há uma década. É uma corrida contra o tempo: ou se implementam alterações estruturais, ou eventualmente o sistema deixará de responder às necessidades dos alunos. Mas que medidas implementar?

O PCP tem uma ideia e submeteu quatro iniciativas legislativas que, nas palavras da deputada comunista Diana Ferreira, contêm “as respostas que são necessárias dar face aos problemas” actuais do sistema educativo. Só que, para cúmulo do ridículo, as propostas do PCP agravam os problemas. Por um lado, o PCP apresentou um projecto de lei para reduzir o número máximo de alunos por turma — uma proposta antiga, da qual os comunistas não desistem. Ora, a diminuição da dimensão das turmas aceleraria a ruptura do sistema: seriam formadas mais turmas, seriam necessárias ainda mais contratações e, num momento de escassez de professores, aumentaria a probabilidade de deixar milhares de alunos sem aulas. Por outro lado, o PCP propõe extinguir os exames do 9º ano — outra proposta habitual nos comunistas, que desconfiam das avaliações externas. Ora, os exames do 9º ano são, actualmente, as únicas avaliações externas universais em toda a escolaridade obrigatória e, por isso, o único instrumento que nos permite monitorizar a aprendizagem de todos os alunos. Ou seja, num contexto de recuperação da aprendizagem, em que há uma necessidade suplementar de monitorizar o sistema educativo e conhecer o impacto das medidas de recuperação da aprendizagem, o PCP quer extinguir uma das principais ferramentas dessa monitorização, promovendo uma navegação às escuras.

E a direita? A interrogação ainda não tem uma resposta clara, para além do silêncio do PSD e das preocupações manifestadas pela IL em debates parlamentares. Eis o ponto político: entre a inacção do governo, que foge das reformas estruturais, e a falta de noção da esquerda, que só propõe medidas que agravariam problemas, a direita tem a oportunidade e o dever de se afirmar como o motor de uma alternativa reformista. Num país onde o Estado da Nação não se recomenda, torna-se ainda mais importante medir o pulso ao Estado da Oposição.