Daqui a 50 anos, os historiadores poderão olhar para a semana que passou como o obituário da União Europeia. Em França, os “coletes amarelos” acabaram com as reformas de Macron. No Reino Unido, o Parlamento não faz a mínima ideia sobre o que fazer com o Brexit. O conflito entre a Itália e a União Europeia agravou-se. Em Espanha, as eleições na Andaluzia acabaram com a excepção ibérica em relação aos partidos nacionalistas. Finalmente, na Alemanha, Merkel está cada vez mais perto do fim da sua vida política. Dos cerca de 510 milhões de habitantes da União Europeia, 320 milhões vivem nestes cinco países, mais ou menos 65%. As cinco economias valem ainda cerca de 75% do PIB da União Europeia. Se as coisas correm mal nos cinco maiores países europeus, a União Europeia enfrenta uma crise existencial. Não vale a pena ignorar a realidade.

Macron recuou perante protestos populares. Ou seja, a sua agenda reformista acabou. Não é a primeira a ser enterrada nas ruas de Paris. Daqui até ao fim do seu mandato, como aconteceu com os seus antecessores, vai continuar a gerir o declínio económico da França. Em 2007, Sarkozy também começou o seu mandato presidencial cheio de promessas e de esperanças. Cinco anos depois nem sequer foi reeleito. Neste momento, Macron está isolado em França. Enfrenta protestos nas ruas das principais cidades, e tem todos os partidos contra ele, os radicais, da direita e da esquerda, e os moderados porque querem recuperar os eleitores que perderam em 2017. Pior ainda, o Presidente francês não tem um partido com peso na sociedade francesa. O seu movimento foi contruído em tempos de popularidade alta. Irá desfazer-se com as dificuldades. Eis o retrato politico de França: um Presidente impopular e sem partido; os partidos moderados enfraquecidos; os partidos extremistas a crescerem; e as ruas a ferro e fogo. Esta França apenas enfraquece a União Europeia, e até há dois meses atrás, Macron era a grande esperança para a renovação do europeísmo.

O Reino Unido enfrenta a maior crise desde o final da Guerra. A população está dividida em relação ao futuro do país. A Inglaterra e o País de Gales querem sair da União Europeia, mas a Escócia e a Irlanda Norte querem ficar. Os Conservadores e os Trabalhistas estão igualmente divididos e uma grande parte dos seus militantes radicalizada. Ninguém sabe o que vai acontecer na próxima terça-feira nos Comuns.

A Itália está em clima pré-eleitoral, com o Movimento 5 Estrelas e a Liga a apresentarem um orçamento para mobilizar as suas bases eleitorais. O governo está em conflito com a União Europeia e assim continuará, pelo menos até às eleições europeias em Maio. Entretanto, a economia caminha para a recessão e o sistema financeiro continua frágil. Uma crise financeira em Itália, com a maior dívida soberana da Europa, terá efeitos negativos na zona Euro.

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Em Espanha, a fragmentação do sistema partidário não pára e os nacionalistas e anti-europeus foram os últimos a chegar. Será uma questão de tempo até a crise na Catalunha se agravar de novo; e o Vox constitui em grande medida uma reação nacionalista contra o separatismo catalão. Com o apoio dos partidos nacionalistas da Catalunha e do Pais Basco em causa, o governo minoritário de Sanchez não deverá ficar muito tempo no poder.

No meio de tudo isto, a situação na Alemanha parece estável. Mas as aparências iludem. Tal como nos outros grandes países europeus, o sistema partidário alemão está a mudar e sob pressão dos partidos populistas e radicais. A liderança bicéfala da CDU e do governo não parece ser a melhor maneira de responder ao crescimento dos populistas de direita, a AfD. Além disso, liderança a dois no maior país europeu, em tempos de crise na Europa, é bizarra e insustentável a prazo. Merkel terá que sair da Chancelaria mais tarde ou mais cedo, desejavelmente mais cedo. A partir de agora, Merkel só servirá para enfraquecer a Alemanha. A política é cruel, sobretudo em tempos de crise.

Em cada um destes países há razões específicas para explicar as respectivas crises políticas. Mas é óbvio que também há causas comuns. Em todos estes países, e em muitos outros na União Europeia, o nacionalismo anti-europeu tornou-se a escolha política de dezenas de milhões de cidadãos. Podem chamar os nomes que quiserem a esses eleitores, mas é o que é. E a ofensa não parece ser o modo mais inteligente de recuperar esses votos.

O nacionalismo não aparece no vazio político. As nações europeias estão em revolta contra a ideologia europeísta, construída na década de 1990, durante os mandatos de Delors em Bruxelas. A transformação da integração europeia, que tantas vantagens políticas e económicas trouxe aos países europeus, numa ideologia política foi um erro trágico. A ideia do progresso inevitável da ‘Europa’ contra as identidades nacionais, como se nota agora, apoiava-se em numa ilusão perigosa. O outro lado da mesma (má) moeda, de que as identidades nacionais estariam condenadas a desaparecer ou, pelo menos, a tornarem-se politicamente irrelevantes, apenas aumentou a revolta dos europeus. Não é por acaso que os sistemas partidários nos principais países europeus estão ameaçados. Os partidos convencionais foram os veículos nacionais da ideologia europeísta durante as últimas duas décadas. Por isso, são os primeiros a serem derrotados.

Ninguém sabe se já é demasiado tarde para salvar a União Europeia e para evitar o triunfo dos nacionalismos. Mas há um ponto que parece evidente. A salvação da União Europeia exige realismo político e o abandono da ideologia europeísta que impede muitas das elites políticas europeias de entenderem os desafios que enfrentam. A insistência na ideologia europeísta apenas levará à derrota, como se vê com Macron em França. O confronto entre o europeísmo e os nacionalismos terá um desfecho inevitável: o fim da União Europeia. Onde estão os líderes realistas? Só eles e elas poderão salvar a União Europeia. E a paz, a democracia, a liberdade e a prosperidade na Europa.

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